O momento atual é de desafios e de oportunidades para que o Brasil equilibre as contas públicas. Porém o cuidado com o dinheiro público deve ocorrer sempre por milhões de servidores públicos, na União, nos Estados e municípios brasileiros, como em uma compra de supermercado, em que a economia com cada produto ajuda a chegar no caixa com dinheiro suficiente, dentro do orçamento.
Para garantir o financiamento sustentável das políticas públicas, precisamos de um sistema de finanças públicas que seja eficiente e transparente. O Brasil tem pontos fortes que podem ser consolidados nesse sentido. Um exemplo está na adoção das Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) devidamente alinhadas às Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público (IPSAS, na sigla em inglês).
Uma outra relevante ação, é o novo modelo de prestação e certificação de contas instituído pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Esse novo modelo alinha o processo de contas às boas práticas internacionais em cada uma de suas etapas, desde a prestação de contas realizada pelo governo até a asseguração e o julgamento dessas contas pelos órgãos de controle.
O modelo exige uma prestação de contas integrada, com informações sobre custos e benefícios das políticas públicas sob a responsabilidade de cada ministério. A palavra-chave é integração. O orçamento público é classificado sob várias perspectivas, permitindo observar a despesa pública por meio dos prismas econômico, social e institucional. O desafio na etapa de prestação de contas é traduzir a complexidade da execução do orçamento e do funcionamento das estruturas administrativas e integrar os programas de governo a cada instituição. A prestação de contas sob a forma de Relato Integrado determina a comprovação para a sociedade do valor agregado, exigindo uma reflexão estratégica sobre a missão e as entregas de cada instituição governamental.
Atente-se, ademais, que nos termos da Resolução nº 14, de 9/12/2020, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), “O Relato Integrado é um relato conciso sobre como a estratégia, a governança, o desempenho e as perspectivas da organização, no contexto de seu ambiente externo, levam à geração de valor a curto, médio e longo prazos”.
No Portal da Transparência do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), encontra-se disponível o Relato Integrado dessa autarquia, que apresenta, “de forma resumida, as atividades e os investimentos mais relevantes realizados […]”.
Porém, na divulgação desses relatos integrados, há o risco de os gestores mostrarem uma foto melhor do que a realidade. Para isso, existem os auditores externos nas estruturas de governança. Nós, auditores, temos o objetivo de assegurar ao cidadão, ao contribuinte, ao usuário de serviços públicos, que a verdade está sendo dita. Sabemos que não há verdade absoluta e que os padrões técnicos internacionais definem os níveis de tolerância a erro que são aceitáveis. O processo de certificação da prestação de contas tem sido construído com parâmetros profissionais, baseados em risco, buscando o fortalecimento dos controles internos do gestor e direcionando testes de auditoria externa para contas com maior risco de erro. Ao final, as opiniões de auditoria podem ser diretas: confie, não confie ou confie com ressalvas. Há também a hipótese, em face de graves distorções de controle, de a auditoria não ter condições de atestar a adequação das informações apresentadas e negar a sua opinião.
O Brasil adota as Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público (NBASP), recomendadas pelo Instituto Rui Barbosa (IRB), que são a tradução para o português dos padrões internacionais de auditoria emitidos pela Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai), atualmente presidida pelo TCU.
Além de finalmente o brasileiro poder exigir a prestação de contas de cada ministro de Estado, também pode contar com um certificado de que essas contas representam ou não a realidade financeira do ministério. Nesse novo modelo, também há uma certificação da conformidade da gestão orçamentária e patrimonial. É um atestado de capacidade da instituição para cuidar do orçamento e do patrimônio sob sua responsabilidade. Espera-se que, nos primeiros anos, essa avaliação mostre as fragilidades de instituições e informem à sociedade e aos poderes públicos o que pode ser melhorado. Esse diagnóstico pode ser a base de uma reforma administrativa que aumente a qualidade não só do gasto público, mas, principalmente, dos serviços públicos.
No final do mês de maio de 2023, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo organizou o 1º Encontro Nacional de Auditoria Financeira dos Tribunais de Contas, o ENAF-TC. Esse evento, que contou com a participação de mais de 300 auditores de todos os 33 Tribunais de Contas, é um marco no processo de adoção de boas práticas internacionais de prestação e certificação de contas para todos os Tribunais de Contas do país. Contudo é fundamental que o sistema nacional de controle externo das contas públicas avance de forma integrada, prevenindo desperdícios em pagamentos indevidos e fomentando a transparência com a credibilidade oferecida pelo selo de qualidade.
Por fim, os gestores e os controladores das finanças públicas têm o desafio de fortalecer os pilares da governança fiscal que deem sustentação ao financiamento dos pisos para educação, saúde, investimentos e outras despesas obrigatórias e discricionárias. Esse desafio é também uma oportunidade para que o caminho da responsabilidade fiscal dependa mais da confiança da sociedade na qualidade do gasto público do que da desconfiança sobre a capacidade das instituições governamentais para entregar bens e serviços públicos com eficiência e transparência.
Inaldo da Paixão Santos Araújo – Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA)
Tiago Alves de Gouveia Lins Dutra – Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)