Entre as dezenas de irregularidades que conduziram o Tribunal de Contas de Mato Grosso a julgar irregulares as contas da Secretaria de Estado de Saúde e do Fundo Estadual de Saúde relativas ao exercício de 2011, merecem destaque aquelas relacionadas aos repasses de recursos efetuados pelo Estado aos Municípios e Consórcios Intermunicipais de Saúde.
Tais repasses são obrigatórios e elementos fundamentais para a existência do Sistema Único de Saúde, concebido pela Constituição de 1988.
O que o Tribunal de Contas constatou ao examinar os balanços, empenhos, ordens e extratos bancários e registros contábeis estaduais e municipais é que em 2011, em relação a tais repasses ocorreu uma gestão desordenada, confusa, irregular, ilegal, ilegítima e antieconômica. Uma verdadeira balbúrdia. Pior: com resultados desastrosos para a sociedade.
Referidas transferências somaram cerca de R$ 114 milhões em 2011, representando uma redução de 6.20% em relação a 2010. Entre as principais falhas apontadas pelo TCE estão: aumento dos valores repassados para alguns municípios, mas não para outros, sem obediência a qualquer critério definido publicamente; atrasos no repasse para uns, mas não para outros; inadimplência no repasse para uns, mas não para outros; termos de compromisso vencidos para 114 dos 141 municípios matogrossenses; ausência da previsão de metas a ser atingidas pelos municípios, e por conseguinte do acompanhamento e controle de sua execução etc.
Assim, Sapezal, cuja população aumentou 14,90% de 2010 em relação a 2009, viu os seus repasses caírem de R$ 587.769,52 em 2010 para R$ 37.796,30 em 2011, uma redução de 93,6%; enquanto Rondolândia, cujo crescimento populacional foi de 1,50%, teve os repasses, que foram de R$ 60.119,22 em 2010, aumentados para R$ 119.3332,60 em 2011, ou seja, 98,5% a mais. Em 2011, o repasse per capita em Rondolândia foi de R$ 33,73, enquanto em Sapezal foi de R$ 2,09.
Foram desrespeitadas regras orçamentárias, financeiras, de gestão fiscal e patrimonial. Contudo, os resultados mais graves foram a ausência ou o atraso no atendimento àqueles que buscaram o SUS e tiveram violado o seu direito fundamental à assistência.
No Programa Saúde da Família, o Estado comprometeu-se a repassar valor 20,40% superior ao valor do Orçamento autorizado, mas transferiu apenas 62,62 % dos recursos pactuados.
Em três programas auditados (Programas Rede Básica de Atenção – Custeio, Rede Saúde Bucal e Saúde da Família) houve 333 ocorrências de inadimplemento mensal além de 510 ocorrências de adimplementos atrasados. Por exemplo: em relação ao Programa Rede de Atenção Básica, enquanto Juína recebeu o correspondente a 309,64% do total de repasses autorizados, o Município de Água Boa recebeu somente 5,88% dos repasses previstos. Em relação ao Programa Saúde da Família, enquanto o município de Jangada recebeu 50% dos repasses dentro do prazo, Denise, Colíder e Jaciara receberam, respectivamente, 69,67%, 60% e 55,56% dos repasses com atraso superior a 90 dias. Há inúmeros outros exemplos, mas estes bastam para se ter uma ideia do caos.
Tamanha balbúrdia gerou problemas de liquidez e situações de déficit financeiro na estão dos municípios e dos consórcios de saúde. Tais problemas se agravaram durante o ano de 2012.
Muitos têm indagado porque o TCE não aplicou aos gestores, além de multas,sanções mais duras, a exemplo de penas privativas de liberdade. É preciso esclarecer que a esfera penal é de competência da Justiça ordinária e que o Tribunal de Contas exerce uma jurisdição especializada de controle externo da administração pública, envolvendo aspectos contábeis, orçamentários, financeiros, patrimoniais e operacionais. No entanto, cópia do processo, com indícios de ocorrência de crimes e de atos dolosos de improbidade administrativa será encaminhada ao Ministério Público do Estado, que examinará a necessidade de propor as respectivas ações.
LUIZ HENRIQUE LIMA
Conselheiro Substituto do TCE-MT