A Constituição inacabada

A Constituição Cidadã foi promulgada em 1988. Passou, portanto, dos 22 anos. Conviveu com seis presidentes, dois plebiscitos e um total de 13 eleições gerais. Sofreu 76 emendas, algumas pontuais e transitórias e outras de maior relevância.

Apesar de muito criticada pelos juristas conservadores e pelos adeptos do liberalismo econômico extremado, é considerada uma das Cartas Constitucionais mais democráticas do mundo, tendo sido pioneira no tratamento de diversos temas de enorme importância na sociedade contemporânea como o desenvolvimento sustentável e os direitos das pessoas portadoras de deficiência.

No entanto, em diversos aspectos, a Lei Maior de nosso país ainda não vingou. Explico. Mesmo decorrido o intervalo de uma geração, várias de suas normas ainda não foram aplicadas, tornando-a incompleta e inacabada. Por melhores que sejam as desculpas, determinação constitucional não cumprida depois de 22 anos é fato relevante e vergonhoso.

Vou citar dois exemplos em Mato Grosso.

Primeiro, a concessão das linhas intermunicipais de transporte coletivo. A norma constitucional é de meridiana clareza. A prestação de serviços públicos mediante concessão sempre deverá ser feita por intermédio de licitação que assegure, entre outros, a obrigação de manter serviço adequado, os direitos dos usuários e a modicidade das tarifas. No entanto, embora a questão já tenha se resolvido satisfatoriamente em outros estados brasileiros, aqui se desenvolve interminável novela, perpetuando-se uma situação de precariedade jurídica e também de precariedade na prestação dos serviços. Reconheço o empenho e o compromisso de diversas instituições e dirigentes em solucionar o imbróglio, mas é forçoso admitir que já transcorreu tempo mais que suficiente para dar efetividade a tão importante norma.

O segundo exemplo diz respeito à composição do Tribunal de Contas. No seu art. 73, a Constituição da República, seguida pelas Constituições estaduais, estipulou que a composição dos Tribunais de Contas teria natureza mista, combinando indicações de origem política e outras de origem técnica. Assim, dos sete Conselheiros, quatro devem ser indicados pela Assembleia Legislativa e um de livre escolha do governador. Outros dois Conselheiros devem ter origem técnica, cabendo ao governador escolher seus nomes a partir de listas tríplices, uma de Conselheiros Substitutos e outra de Procuradores de Contas, ambos os cargos de extração constitucional, preenchidos após aprovação em concurso público de provas e títulos. O Supremo Tribunal Federal já emitiu farta jurisprudência definindo que quando se abrir uma vaga de indicação do Poder Executivo o critério constitucional deve ser observado.

Não há nenhuma novidade na referida composição a partir de listas tríplices. O Tribunal de Justiça, por exemplo, tem parte do seu quadro de desembargadores escolhido a partir de listas de origem técnica elaboradas pelo Ministério Público do Estado e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Da mesma forma, outros Tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça.

Não há também nenhuma dificuldade maior no cumprimento do mandamento constitucional. Mais de 85 % dos tribunais de contas brasileiros já se adequaram à regra. O próprio Tribunal de Contas de União tem como presidente o ministro Benjamin Zymler, oriundo da carreira de Ministro-Substituto e escolhido pelo então presidente a partir da lista tríplice constitucional. Somente nos últimos três anos, estados como Ceará, Sergipe, Alagoas, Goiás, Rondônia, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo empossaram Conselheiros de origem técnica.

É preciso que Mato Grosso, que tem liderado o Brasil em tantas áreas, mormente no crescimento e desenvolvimento econômico, não fique para trás no desenvolvimento e aprimoramento de suas instituições.

 


Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.

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