A natureza judicante do cargo de auditor (ministro e conselheiro substituto) e seu pleno exercício: uma perspectiva evolutiva para o alcance da norma constitucional

Milene Dias da Cunha

Especialista em Administração pelo Centro Universitário de Patos de Minas (Unipam), Patos de Minas/MG, Brasil. Especialista em Gestão de Pessoas e Marketing pelo mesmo centro universitário. Especialista em Direito Público com ênfase em Gestão Pública pela Faculdade Damásio, Belo Horizonte/MG, Brasil. Professora em cursos de graduação e pós-graduação. Conselheira-substituta do TCEPA.

Email: gabinete.milenecunha@tce.pa.gov.br

Artigo publicado na Revista do TCEMG, v. 34, n. 2, abr./jun. 2016.

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Resumo: O cargo de auditor (ministro e conselheiro substituto), apesar de criado e regulamentado há quase um século, assumiu assento constitucional com a Constituição Democrática de 1988, a qual estabelece atribuições judicantes ao cargo em seu art. 73, § 4º. Passados vinte e oito anos da Carta Federal, verifica-se ausência de uniformidade na tratativa desse cargo constitucional, uma vez que alguns tribunais de contas restringem o caráter judicante do cargo, atribuindo a função de emissão de parecer de caráter instrutório ou atividades típicas do corpo auxiliar. Ademais, observa-se que mesmo quando exercem atribuição judicante, alguns tribunais não promovem distribuição equânime e imparcial entre eles, comprometendo o princípio do juiz natural. Nessa linha, constata-se que as referidas limitações viciam a vontade do constituinte, na medida em que impedem o exercício pleno das atribuições judicantes do cargo de conselheiro substituto.

Abstract: The office of Auditor (Minister and Substitute Counselor) although created and regulated for nearly a century, took constitutional seat with the Democratic Constitution of 1988, which establishes judicantes assignments to the position in his art. 73, §4. After twenty-eight years the Federal Charter, there is no uniformity in the dealings of this constitutional position, as some audit courts restrict the adjudicative nature of the position, giving the instructive nature of the opinion issued function or auxiliary body of the typical activities . Moreover, it is observed that even when exercising adjudicative assignment, some courts do not promote equitable distribution and fair to them, compromising the principle of natural judge. Along these lines, it appears that these restrictions vitiate the will of the constituent, to the extent that hinder the full exercise of judicantes duties of the post of Substitute Counselor.

Palavras-chave: Auditor. Ministro . Conselheiro substituto. Tribunal de Contas. Atribuição judicante. Parecer opinativo. Distribuição processual. Afronta ao juiz natural. Inconstitucionalidade.

Keywords: Auditor. Minister. Substitute counselor. Audit Office. Adjudicative Dutie. Opinionated Opinion. Procedural Distribution. Affront to the Natural judge. Unconstitutionality.

1 INTRODUÇÃO

O regular e eficiente trato do dinheiro público foi, e sempre será, uma preocupação social, mormente em tempos em que escândalos de seu desvio vêm à tona diariamente, razão pela qual o fortalecimento dos órgãos de controle é uma necessidade premente.

Com a regulação constitucional, os tribunais de contas, com toda sua estrutura e membros, entre os quais os auditores, também denominados ministros e conselheiros substitutos a depender da sua esfera de atuação, possuem um papel ímpar no controle e aplicação dos recursos públicos.

Criado pela Lei n. 3.454, de 6 de janeiro de 1918, ao cargo de auditor competia relatar as tomadas de contas e substituir os ministros em suas faltas eventuais. Em 1988, o cargo de auditor alcança status constitucional, quando a Constituição Federal faz menção expressa a este cargo, no artigo 73, estabelecendo que o auditor, quando em substituição a ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

No art. 75, a Carta da República estabelece que as constituições estaduais disporão sobre os tribunais de contas respectivos, que serão integrados por sete conselheiros. Por força desse mesmo dispositivo, a organização, composição e fiscalização dos tribunais de contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos tribunais de contas dos municípios devem seguir o modelo federal, o que significa dizer que, por simetria, o conselheiro substituto, quando em substituição a conselheiro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de última entrância.

Observa-se que são duas as atribuições constitucionais deferidas ao ministro e conselheiro substituto, uma ordinária (exercício das demais atribuições da judicatura) e outra extraordinária (substituição de ministros ou conselheiros).

Inobstante tal previsão, ainda é bastante diversificada a estrutura dos tribunais de contas do país acerca dos conselheiros substitutos, notadamente no que diz respeito à uniformidade na definição das atribuições do cargo. Ora observam-se atribuições típicas da judicatura, ora observam-se atribuições sem esse conteúdo judicante, como se verifica nas disposições legais que atribuem o papel de emitir parecer técnico de natureza instrutória ou chefiar uma unidade técnica do órgão de controle externo.

Aprofundando ainda mais na regulamentação do cargo e nas normas que definem sua atuação, nota-se também que, mesmo quando a atribuição judicante é garantida, em alguns tribunais de contas destoam os critérios para a distribuição dos processos submetidos aos conselheiros substitutos, em alguns dos quais limitando sua atuação no exercício do seu desiderato constitucional.

Nesse contexto, aflora-se a presente problematização acerca do alcance da norma constitucional em relação às atribuições judicantes do cargo e as garantias de seu pleno exercício.

1.1 Composição dos tribunais de contas

O Tribunal de Contas recebeu sede constitucional na precursora Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Idealizado por Ruy Barbosa, a partir da perspectiva do modelo italiano, os tribunais de contas no Brasil passaram por diversos avanços e retrocessos em relação às suas competências, mas sempre tiveram sede constitucional.

A atual Constituição da República 73 estabelece no art. 73 que o Tribunal de Contas da União será composto por nove ministros, os quais serão equiparados aos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Esta composição de nove ministros já foi alterada várias vezes. Originariamente eram quatro ministros e no início do século XX eram onze.

Em relação aos demais entes federados, a Constituição Federal, no art. 75, parágrafo único, traz previsão de que “as Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros”. Em respeito ao princípio da simetria estes são equiparados aos desembargadores do Tribunal de Justiça Estadual.

É interessante observar que o constituinte cuidou de trazer garantias, prerrogativas e impedimentos próprios do judiciário aos membros dos tribunais de contas para que esses, no exercício da magistratura de contas, estivessem imunes às pressões, podendo atuar com plena autonomia, independência e isenção em suas atividades jurisdicionais, como concebeu Rui Barbosa.

Ademais, preocupou-se a CR/88 em prever expressamente a quem cabe a competência de substituir os ministros em suas ausências e impedimentos, atribuindo a eles garantias e impedimentos também próprios da magistratura. Trata-se da menção feita aos auditores no art. 73, § 4º, de existência quase centenária em nosso ordenamento, mas somente elevado à estatura constitucional na última Carta Política.

1.2 Auditores (ministros e conselheiros substitutos): um breve histórico

Consoante consignado, além dos ministros (TCU) e conselheiros (TCEs, TCDF, TCMS, TCMRJ e TCMSP), são membros dos tribunais de contas os auditores. A denominação auditor consta da Constituição Federal, todavia, hodiernamente, o cargo vem recebendo outras denominações de ministro substituto e conselheiro substituto1, dependendo da esfera de atuação, dado o equívoco que a nomenclatura costuma provocar em relação a sua natureza jurídica, como se verá adiante.

O cargo de auditor foi criado pela Lei n. 3.454, de 06 de janeiro de 1918, que previa no seu art. 162, § 2º, alínea b, oito vagas. A primeira legislação que trouxe sua normatização foi o Decreto n. 13.247, de 23 de outubro de 1918, que estruturou o então Tribunal de Contas (União) com quatro corpos: Deliberativo, composto de sete ministros; Especial, composto de oito auditores, a quem competia relatar as tomadas de contas e substituir os ministros em suas faltas eventuais; Instrutivo, composto pelos funcionários da secretaria do Tribunal, inclusive as delegações; e o Ministério Público, composto de um procurador e um adjunto.

Ao compor o chamado corpo especial, os auditores, nomeados pelo presidente da República, escolhidos entre bacharéis em direito, se tornavam vitalícios desde a posse2 e eram encarregados de relatar os processos de tomada de contas perante a câmara incumbida de julgar os processos daquela espécie.

Segundo o que se extrai da norma em comento, ao auditor previa-se apenas a competência para relatar os referidos processos, não sendo sua atribuição proferir voto sobre os processos. Chega-se a esta conclusão ao se interpretar a redação do art. 49, inciso I, do Decreto n. 13.247/1918. Quando o legislador quis trazer tal atribuição o fez expressamente aos ministros, dispondo que a eles competia relatar, discutir e votar. Por outra senda, o art. 50, inciso I do decreto em análise atribuiu aos auditores somente a competência para relatar.

Entrementes, inobstante a competência parcial em relação aos ministros, quando o auditor estivesse em substituição àquele, exercia todas as suas competências.

Já em 1949, após um longo período no qual o cargo de auditor, assim como o próprio Tribunal de Contas, perdeu relevância, mormente na Presidência de Getúlio Vargas, editou-se a nova Lei Orgânica do Tribunal de Contas (Lei n. 830/1949), na qual reduziu-se para quatro o número de vagas e ampliaram-se as atribuições para o cargo de auditor, que poderia então atuar no Tribunal Pleno, em caso de recursos (art. 22, §2º).

A partir de então passou-se a exigir o concurso público para provimento do cargo de auditor e a proibir que exercessem funções e comissões da Secretaria, inclusive as de delegado e assistente das Delegações, conforme art. 25, § 2º, da lei em comento, garantindo, assim, que suas atribuições não se confundissem com as do corpo instrutivo.

Em 1967 publica-se o Decreto n. 199, que instituiu a nova Lei Orgânica do Tribunal de Contas, que entretanto não trouxe nenhuma modificação no cargo de auditor, nem nas suas competências, uma vez que determinou em seu art. 12, § 3º que suas atribuições seriam reguladas no Regimento Interno.

Passados dez anos, a partir da entrada em vigor da nova Lei Orgânica, em 1977, passa a vigorar o novo Regimento Interno do Tribunal de Contas, no qual, em seu art. 73, inciso IV, acrescenta que os auditores, ordinariamente, atuariam, “em caráter permanente, junto à Câmara para qual fossem designados, presidindo a instrução de processos que lhe forem distribuídos e relatando-os com proposta de decisão a ser votada pelos membros da Câmara”. Em reforma do Regimento em 19883, os auditores passaram a atuar em caráter permanente também no Plenário do Tribunal.

É interessante observar que, desde a criação do cargo, apesar da pouca especificação quanto às atribuições ordinárias, houve uma preocupação nas normas infraconstitucionais em trazer uma diferenciação deste cargo em relação aos demais cargos do tribunal, colocando-o sempre em proximidade e similitude com as atribuições dos ministros, com previsão, inclusive, de todas as suas garantias e prerrogativas, ainda que só em situações de substituição, o que não poderia ser diferente, uma vez que, para que haja substituição, é necessário que as atribuições, a natureza jurídica, as garantias e as prerrogativas dos cargos possuam identidade e semelhança. Faz-se necessário, portanto, que os cargos estejam lado a lado na estrutura do órgão.

Assim, na nova ordem política instituída em 1988, pela primeira vez, o cargo de auditor (ministro ou conselheiro substituto) assume estatura constitucional, conforme previsto no art. 73, trazendo agora, expressamente, suas garantias e impedimentos, tanto quando em substituição quanto no exercício de suas atribuições ordinárias, que passam a ser as próprias da jurisdição de contas.

Inobstante a indubitável previsão constitucional e mesmo diante da exigência do princípio da simetria insculpido no art. 75 da CF/88 que obriga a adoção do modelo do Tribunal de Contas da União pelos demais entes, ainda é bastante diversificada a estruturação de composição acerca dos conselheiros substitutos nos tribunais de contas do país, uma vez que cada Estado define, na sua Constituição e na Lei orgânica de cada tribunal, a quantidade de vagas e as atribuições ordinárias deste cargo.

2 DAS NORMAS LEGAIS E INFRALEGAIS QUE DEFINEM AS ATRIBUIÇÕES E AS COMPETÊNCIAS DOS MINISTROS E CONSELHEIROS SUBSTITUTOS NOS TRIBUNAIS DE CONTAS

2.1 Da definição das atribuições

O artigo 73, § 4º, da Constituição Federal, abaixo transcrito, estabelece que, no caso do Tribunal de Contas da União, o auditor (ministro substituto), quando em substituição a ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

[…]

  • 4º – O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal (BRASIL, 2015e).

Por expressa determinação constitucional4 os Estados e o Distrito Federal devem seguir o modelo federal. Significa dizer que nesses entes federados tal norma deve ser replicada em seus diplomas normativos para, por simetria, estabelecer que o auditor (conselheiro substituto), quando em substituição a conselheiro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de direito de última entrância ou similar.

Como se vê, a Constituição Federal de 1988, atenta ao princípio hermenêutico, segundo o qual a lei não contém palavra ou expressão destituída de significação, define a natureza jurídica do cargo de ministro ou conselheiro substituto, dizendo, claramente, que esse agente, estando ou não em substituição a membro do colegiado, exerce, exclusivamente, atribuições da judicatura, e, para permitir o exercício de suas nobres atribuições, confere-lhe as garantias e os impedimentos próprios de magistrado.

É dizer, são duas as atribuições constitucionais deferidas ao ministro ou conselheiro substituto, uma ordinária (exercício das demais atribuições da judicatura) e outra extraordinária (substituição de ministros ou conselheiros).

A respeito do tema, o renomado administrativista Jacoby Fernandes (2012, p. 186) leciona:

Possuem os Tribunais de Contas substitutos de ministros e conselheiros concursados, prontos para atuar durante os impedimentos e vacância. Trata-se de um traço peculiar. O nome jurídico do cargo também é referido como auditor, e tem duas relevantes funções.

A ordinária, consistente em participar do plenário ou câmara e relatar processos definidos especificamente nos regimentos internos como de sua competência. Como regra, as competências do auditor não são as mesmas do ministro ou conselheiro, ficando restritas a contas, especiais ou anuais.

A extraordinária consiste, precisamente, em substituir, para integrar quorum, o ministro ausente, no caso do Tribunal de Contas da União, ou o conselheiro, nos demais tribunais. Nos impedimentos eventuais e nos não eventuais, assume integralmente as prerrogativas do substituído, inclusive quanto a voto.

[…]

É importante notar que o constituinte foi muito criterioso ao definir as atribuições ordinárias do auditor, qualificando-as, não sem motivo, de “judicatura”, dada a feição judicialiforme do julgamento das contas. Esse argumento reforça o fato dos ministros e conselheiros, e do próprio tribunal de contas, exercerem funções jurisdicionais e outras funções. Já os auditores, voltados precipuamente para as funções de contas, têm atribuições ordinárias de judicatura, isto é, próprias de juiz, do exercício da magistratura.

Em que pese a Carta da República estabelecer que as atribuições ordinárias do cargo de auditor são atribuições da judicatura, o detalhamento dessas atribuições é feito nas leis orgânicas de cada tribunal e, em alguns casos, equivocadamente, nos seus regimentos internos ou em resoluções.

Convém, aqui, abrir um parêntese para abordar a questão da definição das atribuições do cargo em atos regulamentares, reconhecendo não ser esse meio adequado para tal, pois é cediço que, a garantia fundamental do art. 5º, inciso II, da CF/88, é clara: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Portanto, não se mostra juridicamente possível a criação de novas atribuições para os ministros e conselheiros substitutos dos tribunais de contas, exclusivamente, por força regimental ou ato similar.

Em nossa ordem constitucional (CF, art. 37, II c/c art. 48, inciso X) qualquer cargo público deve ter funções, atribuições, obrigações e deveres delineados por lei em sentido estrito. Segundo o escólio de José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 502):

Cargo público é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta e de suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equivalente.

Traço peculiar do cargo desde sua origem, o ministro ou o conselheiro substituto adquire vitaliciedade desde a posse, como forma de proteção do magistrado contra pressões, como se constata na lei orgânica de cada tribunal de contas.

Nessa linha, em se tratando de ministro e conselheiro substituto, um cargo vitalício sui generis, único de sua espécie no Brasil, invulgar o ensinamento do ilustre doutrinador acima citado:

Cargos vitalícios são aqueles que oferecem a maior garantia de permanência a seus ocupantes. Somente através de processo judicial, como regra, podem os titulares perder seus cargos (art. 95, I, CF). A vitaliciedade configura-se como verdadeira prerrogativa para os titulares de cargos dessa natureza e se justifica pela circunstância de que é necessária para tornar independente a atuação desses agentes, sem que estejam sujeitos a pressões eventuais impostas por determinados grupos de pessoas. A vitaliciedade tem previsão constitucional. Atualmente, são cargos vitalícios, os dos magistrados (art. 95, I, CF), os membros do Ministério Público (art. 128, § 5°, I, “a”, CF) e os membros dos Tribunais de Contas (art. 73, § 3°, CF) (CARVALHO FILHO, 2011, p. 504-505).

Com efeito, regimento interno, resolução ou qualquer outro ato administrativo regulamentar é hábil somente para definir questões envolvendo regras de organização interna dos tribunais, como a distribuição e a tramitação de seus processos. Jamais podem criar, modificar ou suprimir direitos e obrigações relativas a atribuições de servidores públicos, que são regidas por leis próprias, máxime em se tratando de cargos de magistrados vitalícios das cortes de contas.

Até mesmo as leis orgânicas dos tribunais, ao delimitar as competências do cargo de ministro e conselheiro substituto, o faz obedecendo ao modelo federal imposto pela Constituição do Brasil e às garantias dos magistrados na Constituição Estadual. Dessa forma, se as atribuições do cargo são criadas, alteradas ou suprimidas por meio de algum ato regulamentar ocorre abuso de tal poder, por invadir competência do Legislativo, como ensina Carvalho Filho (2011, p. 44). E, havendo abuso, faz-se necessária anulação pelo Poder Judiciário, conforme aduzido pela Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008, p. 340):

[…] E a anulação pode também ser feita pelo PODER JUDICIÁRIO, mediante provocação dos interessados, que poderão utilizar, para esse fim, quer as ações ordinárias e especiais previstas na legislação processual, quer os remédios constitucionais de controle judicial da Administração Pública.

Noutro giro, fechando aqui o parêntese aberto, mesmo quando as atribuições estão definidas em lei, o que se observa nessas legislações infraconstitucionais é a falta de uniformidade na definição dessas atribuições, pois ora observam-se atribuições típicas da judicatura, como em tribunais que estabelecem a relatoria de processos, em consonância com o modelo federal, ora observam-se atribuições sem esse conteúdo judicante, como se verifica das disposições legais que atribuem ao conselheiro substituto o papel de emitir parecer técnico, de função meramente instrutória, ou mesmo de chefiar uma unidade técnica do órgão de controle externo.

Os tribunais de constas do Estado do Acre, Alagoas, Bahia, Goiás e Mato Grosso do Sul e o Tribunal de Contas dos Munícipios da Bahia são os únicos que mantêm como atribuição ordinária típica do cargo a emissão de parecer, de caráter meramente instrutório. Por sua vez, os tribunais de contas do Estado do Amazonas, Amapá, Piauí, Tocantins, Rio Grande do Sul e Minas Gerais estabelecem a competência para a relatoria ordinária, mas mantêm a atribuição de emitir parecer: a) em algumas circunstâncias, como no caso do Piauí em que os conselheiros substitutos prestam assistência na discussão de outros processos, na fase de julgamento; b) ou classes processuais, como no caso de Tocantins, em que emitem parecer sobre consultas, denúncias, contas de governo e outras.

Apesar de ainda constar nas normas do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais a emissão de parecer nas contas de governo, tais dispositivos foram afastados por decisão do Colegiado do órgão, por serem considerados inconstitucionais, como se verá mais adiante.

Ainda que a emissão de parecer meramente instrutório requeira uma análise mais aprofundada para se concluir sua afronta ao texto constitucional, como adiante se avaliará, já é possível ponderar que as dissonâncias acima demonstradas, por si só, prejudicam a consolidação do modelo constitucional de composição dos tribunais de contas, enfraquecendo a formação de um sistema de controle externo uniforme e integrado em nível nacional.

Por tal razão, assumem relevância os questionamentos acerca dos motivos que levam determinados tribunais de contas a resistirem ao modelo federal, retirando ou mitigando a atuação judicante do cargo de conselheiro substituto.

2.2 Da inadequação da nomenclatura do cargo: dissonância com sua natureza jurídica

Nesse contexto, é de reconhecer que a própria nomenclatura do cargo contribui para obstaculizar a uniformidade das atribuições. Nas últimas décadas, com o predomínio das técnicas contábeis de origem anglo-saxã, que consagraram a auditoria como uma técnica de fiscalização contábil de ampla efetividade, a acepção contábil do termo auditor tem dominado o conceito, haja vista que o seu uso corrente normalmente remete a essa acepção.

Nas palavras de Canha (2014, p. 20), na acepção contábil, auditor é aquele que realiza auditoria, técnica contábil que verifica ou revisa registros, demonstrações e procedimentos de escrituração contábil. Tal acepção é tão dominante que até mesmo a Associação Civil de Estudos e Pesquisas dos Tribunais de Contas do Brasil, denominada Instituto Rui Barbosa, registrou em seu glossário de termos técnicos mais comuns utilizados por tribunais de Contas somente essa acepção:

AUDITOR: pessoa encarregada de realizar uma auditoria e elaborar um relatório escrito sobre essa auditoria (Boletim Interno do TCU n. 34 de 23/07/1992 – Glossário de Termos Comuns Utilizados no Âmbito do Controle Externo do TCU e do Tribunal de Contas de Portugal, p. 35).

O citado autor esclarece que apesar de o glossário retrocitado mencionar tal sinônimo como de uso também no Tribunal de Contas de Portugal, tal termo não é usado pela Corte de Contas portuguesa, como se observa da Lei Portuguesa n. 98/1997, em que tais membros são denominados de juízes conselheiros.

Apesar de a acepção contábil ser a que mais se tornou corrente, não se pode olvidar que a acepção jurídica, apesar de desconhecida, também existe e é a acepção usada pelo constituinte de 1988. De Plácido e Silva (2012, p. 170) registra o vocábulo, tanto na acepção contábil como na jurídica:

AUDITOR: é o título por que se designam juízes ou magistrados encarregados da aplicação de justiça em certo ramo ou espécie de jurisdição, em regra, de ordem criminal.

No Direito Antigo, com o mesmo sentido de ouvidor, indicava o funcionário instruído em leis, que tinha a missão ou atribuição de informar o tribunal ou repartição pública sobre a legalidade de certos atos ou sobre a interpretação das leis nos casos concretos submetidos à sua apreciação. É o consultor jurídico da atualidade.

Segundo a aplicação atual, o vocábulo designa o juiz de direito agregado aos tribunais de jurisdição especial: auditor de guerra ou auditor de marinha.

Auditor. Na linguagem técnica da contabilidade, é a palavra empregada para distinguir o perito ou técnico de contabilidade, a quem comete o encargo de examinar e dar parecer sobre a escrituração mercantil de um estabelecimento comercial, atestando, igualmente, a sua exatidão, em confronto com os documentos, de que se originaram os lançamentos ou assentos constantes da escrita e a veracidade do balanço geral, que lhe foi mostrado para exame.

A acepção jurídica também é encontrada na definição de Bueno (2012, p. 30):

AUDITOR s.m. Aquele que ouve; magistrado que tem a seu cargo informar uma repartição sobre a aplicação da lei a casos ocorrentes; magistrado do contencioso administrativo; magistrado judicial agregado a tribunais de guerra ou de marinha; Auditor da nunciatura: assessor do núncio; Auditor de guerra: juiz de direito agregado a um tribunal militar.

Dessa forma, constata-se que a acepção jurídica foi a empregada pelo constituinte de 1988, notadamente quando se constata a expressa menção à atribuição judicante do cargo de auditor no §4º do art. 73 da Constituição Federal.

Nesse diapasão, é relevante trazer à tona a justificação apresentada quando dos debates empreendidos na época da elaboração da Constituição Federal de 1988, notadamente quanto à Emenda ES22052-7 (CANHA, 2014, p. 34):

Os auditores são os juízes permanentes do Tribunal de Contas que têm por missão relatar os processos que são distribuídos entre eles e os ministros titulares.

Mesmos quando não estão substituindo os ministros, estão ao lado deles relatando e fazendo propostas de decisões que constituem inequivocamente atos de judicatura.

Por isso é necessário que mesmo nessa situação e, especialmente nelas, estejam protegidos pelas garantias tradicionais da magistratura. Se quando substituem são equiparados aos ministros, quando executam as atribuições da sua judicatura, sem substituírem, devem, por hierarquia, ser equiparados aos juízes dos Tribunais Regionais Federais.

Como se percebe, a intenção do constituinte ao consignar que os auditores, em suas funções ordinárias, exerceriam as demais atribuições da judicatura era, claramente, a de dar a esse cargo corpo de magistratura, como se observa da afirmação que eles são os juízes permanentes dos tribunais de contas.

Interessante é observar que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Octavio Gallotti, também ressaltou a impropriedade da denominação do cargo, como abordado no artigo do Leonardo dos Santos Macieira (2014, p. 72):

O status dos Auditores dos Tribunais de Contas tem dado margem a muitas perplexidades, que começam com a impropriedade da denominação do cargo, ligada a uma tradição respeitável, mas totalmente divorciada do atual conceito de atividades de auditoria. Imprópria, por isso mesmo, para designar um servidor que tem normalmente assento no Plenário do Tribunal de Contas, com atribuições de relatar processos, formalizar propostas conclusivas e exercer plena jurisdição quando convocado para substituir Conselheiro ou Ministro […].

No Tribunal de Contas da União (TCU) observa-se o emprego de ambas as acepções: os auditores, também denominados ministros substitutos, responsáveis por presidir os processos a eles distribuídos, relatando-os com proposta de decisão a ser submetida às câmaras e ao plenário, onde têm assento permanente; e os auditores federais de controle externo, servidores públicos responsáveis pela execução da fiscalização a cargo desse Tribunal, incluindo-se entre suas atribuições a realização de auditorias governamentais.

A competência do auditor (ministro ou conselheiro substituto), portanto, não se coaduna com aquelas funções reservadas aos auditores de Controle Externo, que exercem atribuições próprias do corpo auxiliar do Tribunal de Contas, uma vez que os primeiros têm sua criação e disciplina resultante diretamente do texto constitucional, e, portanto, natureza jurídica especial.

Por tal razão, no intuito de dar maior clareza à natureza jurídica do cargo, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) editou a Resolução n. 03/2014, que decorreu, entre outros motivos, de um compromisso firmado na Declaração de Campo Grande-MS, aprovada em novembro/2012 durante o III Encontro Nacional dos Tribunais de Contas do Brasil.

Essa resolução aprovou as Diretrizes de Controle Externo Atricon 3301/2014 relacionadas à temática “Composição, organização e funcionamento dos tribunais de contas do Brasil” e previu, como uma das diretrizes dos tribunais de contas, “iniciar processo legislativo para que o cargo de Auditor, previsto no § 4º do artigo 73 da Constituição Federal, seja denominado Ministro Substituto, no Tribunal de Contas da União, e Conselheiro Substituto, nos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios”.

Alinhado a esse entendimento, verifica-se que, em suas leis orgânicas, o Tribunal de Contas da União e os tribunais de contas dos estados da Paraíba, Sergipe, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia, Ceará, Maranhão e Piauí são exemplos de tribunais que promoveram tais alterações, buscando alcançar a padronização da nomenclatura, com a criação, assim, de uma identidade institucional. No estado do Pará, a alteração foi promovida na própria Constituição do Estado, alcançando-se, assim, a uniformidade no Tribunal de Contas do Estado e no Tribunal de Contas dos municípios.

Dessa forma, percebe-se que as alterações promovidas pelos Estados mencionados têm como objetivo evitar o emprego da acepção contábil às atribuições do cargo de auditor, adequando sua denominação de modo a alinhá-la à acepção jurídica do cargo, refletindo, assim, sua natureza judicante.

2.3 Da necessária natureza judicante das atribuições do cargo: obrigatória conformação constitucional

Por ostentar todas as garantias de independência dos juízes de direito da mais alta entrância – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios – o STF se manifestou definindo a natureza jurídica do cargo de ministro ou conselheiro substituto como agente político, conforme se observa no trecho do voto do Ministro Octavio Gallotti, na ADI n. 507-3 – DF, que asseverou: “[…] em cargos de auditor, que são agentes políticos, com assento nos Tribunais de Contas”.

Convém, ainda, trazer a lume o voto do Ministro do STF, Carlos Ayres Britto5, que se posiciona contrariamente ao desvirtuamento, por normas infraconstitucionais, das funções do auditor, in verbis:

E, realmente, a Constituição Federal faz do cargo de auditor um cargo de existência necessária, porque, quando ela se refere nominalmente a um cargo, está dizendo que faz parte, necessariamente, da ossatura do Estado, e só por efeito de emenda à Constituição – e olhe lá – é que essa matéria poderia ser modificada. De outra parte, auditor ainda tem uma particularidade: é regrado pela Constituição como um elemento de composição do Próprio Tribunal; […]

E o fato é que o art. 75 deixa claro que o modelo da composição, exercício e fiscalização que adota a Constituição Federal é impositivo para os demais entes federativos (BRASIL, 2015i).

Como disse o Ministro Carlos Ayres Britto, o cargo de auditor é cargo de existência necessária, e somente por meio de emenda constitucional poderia ser modificada, mas por emenda à Constituição Federal, e não à Constituição Estadual, porquanto o art. 75 da CF/88 torna o modelo federal obrigatório aos estados.

Noutro giro, se nem mesmo uma emenda à Constituição Estadual teria o poder de afastar do conselheiro substituto a sua atribuição judicante de contas, quando não estiver em substituição a conselheiro, muito menos o poderia intentar uma lei estadual ou distrital, e ainda com muito mais propriedade também não o poderia fazer um ato regulamentar.

Analisemos o significado literal, na língua pátria, do termo judicatura segundo Bueno (2012, p. 98), única atribuição legal do ministro ou conselheiro substituto do Tribunal de Contas, quando não está em substituição a ministro ou a conselheiro: “JUDICATURA. s.f. Poder de julgar; função de juiz”.

Devemos reconhecer que na Constituição da República não existem palavras inúteis. A palavra judicatura, prevista na Lei Fundamental como atribuição exercida pelo ministro ou conselheiro substituto, quando não está em substituição, consoante lição de dicionaristas especializados, como De Plácido e Silva (2012, p. 98), pode ser utilizada no lugar de magistratura, sentido que foi intencionalmente empregado pelo constituinte de 1988, como se observa das discussões quando da elaboração da CF/88, alhures mencionado.

Ensina esse dicionarista que, no conceito de poder julgar, a judicatura é tomada sem qualquer ideia limitativa: é o poder, isto é, a autoridade, a atribuição para julgar, que será limitado ou determinado pela jurisdição, que é medida desse poder, ao mesmo tempo em que assinala a determinação ou a medida da própria competência.

De igual modo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1992, p. 241), ao comentar o artigo 73, § 4°, da CF/88, assevera: o auditor, quando não está em substituição a conselheiro, exerce, como atribuição própria da judicatura de contas, a instrução processual:

A norma em exame, não prevista no direito constitucional anterior e extremamente mal redigida, parece distinguir duas situações.

Na primeira, o auditor – que, de modo geral, nos tribunais de contas desempenha funções de instrução dos processos e de substituição dos titulares – substituiu o ministro: goza ele, durante o período de substituição, das garantias e impedimentos deste (que são os da magistratura).

Na segunda, ele não está substituindo o titular, mas, em razão de suas atribuições próprias, exerce atribuições da judicatura, ou seja, INSTRUÇÃO DE PROCESSOS: goza ele então das garantias e impedimentos de juiz de Tribunal regional Federal (que são obviamente as de magistratura). Ou seja, ao pé da letra, as duas situações coincidem, no que tange a garantias e impedimentos.

Destarte, tendo presente que o termo judicatura ao qual se refere o § 4º do art. 73 da Lei Magna tem significado de magistratura (especial), o cargo de ministro e conselheiro substituto do Tribunal de Contas possui provimento vitalício, integrante do alto escalão hierárquico do órgão e o que mais se aproxima do de ministro ou conselheiro, e cuja investidura depende de habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Nessa toada, no âmbito da União, o legislador ordinário, por meio da Lei n. 8.443/92, que trata da organização do TCU, mantendo-se fiel ao texto constitucional, definiu, no parágrafo único do art. 78, que o ministro substituto, quando não convocado para substituir ministro, presidirá a instrução dos processos que lhe forem distribuídos, relatando-os com proposta de decisão a ser votada pelos integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado.

Contudo, como observado, ainda há normas que definem atribuições sem o conteúdo da judicatura, a exemplo da emissão de pareceres meramente instrutórios ou chefias de unidades técnicas, defendidas por alguns tribunais de contas, ignorando o princípio da simetria das formas, positivado no art. 75 do CF/88, que veda iniciativas que não se harmonizam com o modelo federal6.

Ora, no âmbito federal não foi incumbido ao ministro substituto o encargo de emitir parecer opinativo de caráter instrutório sobre os processos que tramitam naquele órgão federal, pois, como se verá, tal atividade não possui natureza judicante.

Por certo que o parecer tem natureza apenas de uma opinião técnica, uma recomendação ou sugestão sobre um encaminhamento ou resolução de um caso em análise. Não tem qualquer caráter decisório, como se constata dos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (2014, p. 193-194), transcritos ipsis litteris:

Pareceres administrativos são manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração. O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas sim o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinária, negocial ou punitiva […]

A seu turno, José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 126-127) leciona que “os pareceres consubstanciam opiniões, pontos de vista de alguns agentes administrativos sobre matéria submetida à sua apreciação”.

Ora, partindo da premissa de que sua natureza jurídica é simplesmente opinativa, e que no âmbito de algumas cortes de contas a emissão de parecer a que se atribui ao conselheiro substituto figura como umas das peças da instrução processual, essa atribuição se revela totalmente incompatível com as atribuições da judicatura, a qual, como já visto, tem natureza jurídica de julgar, com característica decisória e emissão de um convencimento final sobre determinada matéria.

Aqui, é fundamental destacar que o parecer prévio7 emitido pelas cortes de contas sobre as contas governamentais, e mesmo o parecer emitido em processo de consulta formulado por um jurisdicionado e submetido à apreciação do colegiado das cortes de contas, distinguem-se profundamente daquele atribuído aos conselheiros substitutos em algumas cortes de contas.

O parecer prévio das contas de governo é processo autônomo, cujo relator expressa sua manifestação final, após concluída a fase de instrução, por meio de voto ou proposta de decisão, para deliberação do Pleno Tribunal, sobre as contas do chefe do Poder executivo, votando pela aprovação ou desaprovação das contas a serem encaminhadas ao parlamento.

As consultas formuladas pelos jurisdicionados sobre matérias de competência dos tribunais de contas são classes processuais também autônomas, com tramitação própria em que a solução, igualmente, após uma fase de instrução, é apresentada pelo relator ao colegiado, por meio de um voto ou proposta de decisão.

Observe-se, assim, que em ambos os casos é autuado um processo e designado um relator – de modo idêntico ao que acontece com todos os processos dos tribunais de contas – que o presidirá e apreciará a matéria, à luz do seu livre convencimento motivado, fruto de um processo intelectivo de conhecimento calcado nas atribuições da judicatura, baseado nas competências previstas, entre outras, as dos artigos 139 – 143 do Código de Processo Civil brasileiro, o qual trata dos poderes, deveres e responsabilidade do juiz e, aplicável, mutatis mutandis, aos tribunais de contas.

Inversamente, o parecer opinativo atribuído ao conselheiro substituto em alguns tribunais constitui, tão somente, mais uma das peças instrutivas dos processos que tramitam nessas cortes de contas, destinadas a, segundo a discricionariedade do relator, subsidiar seu voto. Nessas situações, o conselheiro substituto apresenta um parecer dentro de um processo cujo relator não é ele e, sim, um conselheiro. Em alguns tribunais esse parecer necessita ser referendado pelo conselheiro relator do processo, numa espécie de subordinação do auditor ao conselheiro, contrariando a necessária autonomia e independência do cargo.

Tal questão foi objeto de discussão judicial no Estado do Ceará, quando o Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará pretendeu, por meio de resoluções normativas, negar aos conselheiros substitutos a distribuição originária de processos e, ao reverso, pretendeu atribuir-lhes a incumbência de emitir pareceres.

O Desembargador Francisco Lincoln Araújo e Silva concedeu medida liminar8, confirmada pelo Tribunal Pleno da Corte de Justiça do Estado de Ceará, no qual consignou:

Demais disso, entendo que o exercício da ‘judicatura’, ordinariamente, exercida pelo Auditor, por força de expressos mandamentos constitucionais e legais, não se revela compatível com a emissão de parecer de auditoria, pois, como de notória sabença, parecer é atividade de caráter opinativo – e não decisório – incompatível, portanto, com a atividade de caráter judicante, que, como visto, dentro dos limites constitucionais atinentes à espécie, constitui incumbência do Auditor (CEARÁ, 2015a).

Ao longo da decisão, o relator define que até mesmo ao Poder Constituinte Decorrente é vedado inovar quanto às funções de competência do conselheiro substituto, sob pena de se subverter o modelo vinculativo delineado na Constiuição Federal.

Ao apreciar os Embargos de Declaração n. 5918.31.2009.8.06.0000/1, impetrado pelo Estado do Ceará contra a decisão proferida no referido mandado de segurança, o desembargador concluiu, de forma categórica:

[…] as atribuições dos membros da Corte e de seus órgãos assemelhados estão previstos na Lei e na Constituição, como, de resto, acontece, por exemplo, com os senhores desembargadores, cujas atribuições estão sabidamente, previstas na Constituição e nas Leis, e nunca no regimento interno do Tribunal a que pertencem.[…] O mesmo ocorre, mutadis mutandis, com a figura do AUDITOR,que integra as Cortes de Contas, ocupando uma posição peculiar, mas nem por isso de menor relevo, porque também integra a estrutura das Cortes de Contas, onde desempenham misteres institucionais também previamente delineados pela Constituição e pelas Leis.

Como se vê, portanto, com muita clareza, aliás, os auditores, assim como os magistrados, recebem, diretamente, da Constituição e das Leis, nunca dos Regimentos Internos, o seu acervo de competência institucional. Demais disso, deve-se reconhecer que o AUDITOR deverá atuar como magistrado, dentro dos limites constitucionalmente previstos, exercendo, portanto, seu mister institucional, com total independência funcional, como o fazem, ordinariamente, os magistrados integrantes do Poder Judiciário (CEARÁ, 2015b).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes indeferiu, em 27/01/2010, pedido Suspensão de Segurança (SS n. 4005), impetrado pelo Estado do Ceará, asseverando que:,

A Constituição Federal e a Constituição Estadual atribuem função de judicatura aos auditores quando não estejam a substituir o Conselheiro da Corte de Contas. A Lei Orgânica do TCM/CE, por sua vez, estabelece atribuição expressa e específica para o cargo de auditor, ou seja, há estabelecimento por lei de atribuição de determinado cargo público. […] Do mesmo modo, em juízo mínimo de delibação, a Resolução n. 6/2008, ainda que delimite de forma mais detalhada as atribuições do cargo de auditor do TCM/CE, de fato retira do regimento interno qualquer disposição que se assemelhe a um detalhamento do disposto no art. 74, § 1º, da Lei Orgânica do TCM/CE. Nesse sentido, evidencia-se plausibilidade jurídica para a concessão da medida liminar concedida, a fim de assegurar pretensão jurídica individual reclamada em juízo (BRASIL, 2015 j).

Em análise da jurisprudência, verifica-se entendimento semelhante em outra decisão proferida no âmbito do judiciário, agora pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), em decisão liminar concedida em 18/04/2012 nos autos do Mandado de Segurança n. 201210742513.

O Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE) salientou, com base no art. 73, § 4º, e no art. 75 da CR/1988 e no art. 71, § 4º, da Constituição do Estado de Sergipe, que a competência do auditor do Tribunal de Contas, independentemente de estar substituindo, ou não, conselheiro, reside basicamente nas atividades de judicatura, nos termos adiante transcritos:

[…] Pois bem. É cediço que a Constituição Federal de 1988, define a natureza jurídica do cargo de Auditor, preconizando que esse agente, estando ou não em substituição a membro do colegiado, exerce as atribuições da judicatura, e para permitir o exercício de suas atribuições, confere-lhe as garantias e impedimentos próprios do magistrado […] Sendo assim, forçoso admitir que a atribuição do Auditor, cargo classificado como sendo de provimento vitalício e cuja investidura depende de habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, quando não está em substituição a Conselheiro, exerce a atribuição própria da judicatura de contas, qual seja, a de presidir a instrução processual dos feitos distribuídos, relatando-os perante os integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado. […] Significa isto dizer, portanto, que o Auditor, enquanto ocupe a função de magistrado da Corte de Contas, é cargo de dupla função judicante de contas: quando em substituição a Conselheiro, função extraordinária, goza de todas as prerrogativas e atribuições do titular, e enquanto não substitui Conselheiro, a interpretação que se subtrai da Constituição Federal (art. 73,§4º c/c art. 75), da Constituição de Sergipe (art. 71, §4º) e da Lei Orgânica do TCE-SE (art. 26, caput), é que o Auditor exerce sua função ordinária, a judicatura própria e independente, razão pela qual tem direito líquido e certo à distribuição processual, devendo exercer seu mister constitucional de magistrado presidente da instrução. […]

Diante do exposto, concedo a medida liminar pleiteada, a fim de suspender a eficácia dos artigos 29, parágrafo único, e art. 31, inciso II, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 270/2011[…] (SERGIPE, 2012).

Por sua vez, em decisão inédita no âmbito do controle externo, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, no uso de sua competência de arguir a inconstitucionalidade no caso concreto, conforme dispõe a Súmula 3479 do Supremo Tribunal Federal, em análise do Processo n. 912.324, que tratava das contas de governo do Estado, referentes ao exercício de 2013, reconheceu a inconstitucionalidade de o conselheiro substituto atuar como parecerista naquele processo, a despeito de tal atribuição estar inserta na Lei Complementar Estadual n. 102/2008.

Tal processo teve origem na representação do Conselheiro substituto Hamilton Coelho, parecerista no processo referente ao Balanço Geral do governo do Estado, o qual requereu o afastamento do dispositivo legal que atribuía a ele tal competência. Por oportuno, traz-se à baila, trecho da representação do referido conselheiro substituto:

Nem se diga que as funções do “juiz-instrutor” (inserta na Lei n. 8.038/90 pela Lei n. 12.019/09) e do “auditor-parecerista” se aproximam, haja vista que ostentam formatação e finalidade completamente diferentes: o primeiro detém poder decisório na fase de instrução processual, por ele presidida, atuando como efetivo impulsionador da atividade jurisdicional, cabendo-lhe, exempli gratia, deferir ou indeferir provas e diligências, determinar medidas cautelares, perícias e oitivas de testemunhas, e conceder liberdade provisória, entre outras prerrogativas. Já o segundo limita-se a formular peça opinativa, em processo no qual já atuam outros dois Conselheiros, a ser acolhida ou não como elemento de convicção. Em outras palavras, trata-se de três magistrados atuando num só feito, processualística, a meu sentir, avessa aos princípios da eficiência e da celeridade. Por consectário lógico da fundamentação aqui perfilhada, concluo que a emissão de parecer instrutivo em processo de contas por Conselheiro Substituto configura afronta ao estabelecido pelo Poder Constituinte Originário na Carta Política do Brasil, em razão do que se impõe a esta Corte de Contas, no exercício do controle de constitucionalidade incidental que lhe toca, nos termos do Enunciado n.º 347 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, afastar a aplicabilidade do disposto no art. 27, inciso V, da Lei Complementar Estadual n.º 102/08. É como me manifesto (MINAS GERAIS, 2015a).

Seguindo essa linha de intelecção, o Procurador-Geral do Ministério Público de Contas de Minas Gerais Daniel de Carvalho Guimarães opinou pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da previsão de parecer instrutório, conforme trecho de sua manifestação:

(…) 21. Concordo com o posicionamento aqui analisado. 22. Tomo as palavras do jurista Carlos Ayres Brito (ADIn n. 1994-5-ES), citado pelo representante (fl. 04), “(…) auditor ainda tem uma particularidade: é regrado pela Constituição como um elemento de composição do próprio Tribunal”.23. A Constituição da República, no § 4º do art. 73, e a Constituição do Estado de Minas Gerais, no § 1º do art. 79, conferiu ao então Auditor o exercício da função de judicatura, incompatível com a de parecerista, prevista no inciso V do art. 27 da Lei Complementar Estadual n. 102/08. (…) 27. Em face do exposto, opino: (…) b) sucessivamente, quanto ao mérito, pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do inciso V do art. 27 da Lei Complementar Estadual n. 102/08, diante do disposto nos arts. 73, § 4º e 75 da Constituição de 1988.

Apreciando o referido incidente de inconstitucionalidade, o relator Conselheiro José Alves Viana, na sessão de 08/10/2014, apresentou o seguinte voto, o qual foi aprovado por unanimidade:

Nesse diapasão, forçoso concluir que, em razão da natureza das atribuições deferidas aos Conselheiros Substitutos pela Lei Fundamental, de exercer atividade judicante, ordinariamente, quando preside a instrução dos processos a eles distribuídos ou, extraordinariamente, quando atua em substituição a Conselheiro, qualquer norma de hierarquia inferior que eventualmente estatua atribuições de mera instrução afetas ao corpo auxiliar, destituída de caráter decisório, padecerá de inconstitucionalidade.

Em razão do exposto, considerando que a norma constante do inciso V do art. 27 da Lei Complementar 102/2008 afigura-se incompatível com a configuração preconizada pela ordem constitucional para o cargo de Conselheiro Substituto, entendo que a aventada inconstitucionalidade deve ser incidentalmente reconhecida por esta Corte, com amparo no Enunciado de Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal. É como voto (MINAS GERAIS, 2015a).

Nesse sentido, é de se concluir que, diante da clara dicção da Carta da República, o parecer de caráter meramente instrutório se mostra inconstitucional, uma vez que cria a anômala figura de um magistrado (conselheiro substituto) instruir processo em que outro magistrado (conselheiro) é o relator, em total descompasso com o modelo federal, visto que no TCU tal previsão não existe.

Convém, ainda, ressaltar que a função judicante a que alude o § 4º do art. 73 da CF deve ser compreendida, no âmbito das cortes de contas, como aquela cuja natureza seja deliberativa, de caráter judicante lato sensu, que, como tal, encerre as competências atribuídas aos tribunais de contas pelos incisos I, II e III, do art. 71 da CF. Assim, o conselheiro substituto deve atuar como presidente dos processos que lhe forem distribuídos, relatando-os com proposta de decisão a serem submetidas ao Colegiado.

A fim de arrematar a argumentação quanto à natureza judicante, é importante ressaltar que dela sobrevêm as garantias constitucionais que asseguram a independência, a autonomia e a imparcialidade necessárias ao exercício do cargo.

Alexandre Freitas Câmara (2014, p. 136) destaca o seguinte quanto à imparcialidade:

Para se assegurar a imparcialidade do Estado, é preciso que haja imparcialidade do agente estatal que irá, no caso concreto, exercer a função jurisdicional. Assim, em primeiro lugar, cuida o ordenamento jurídico, através de norma jurídica hierarquicamente superior às demais, de estabelecer garantias para os magistrados, ou seja, a Constituição da República arrola uma série de garantias dos juízes, destinadas a assegurar que a atuação do magistrado se dê, no processo, de forma imparcial.

Significa dizer que, nos termos da Carta da República, no exercício das atribuições da judicatura, o ministro e conselheiro substituto atua sem subordinação jurídica, estando vinculado, exclusivamente, ao ordenamento jurídico, com o desiderato de colocar-se acima das questões políticas e daqueles que pretendem exercer pressão política sobre suas decisões.

Por tal razão, não pode haver hierarquia entre os agentes que exercem a função jurisdicional, visto que é inaplicável o regime de comando que a caracteriza. Carvalho Filho (2011) ensina que, na função jurisdicional, deve prevalecer o princípio da livre convicção do juiz, pelo qual age com independência, sem subordinação jurídica aos tribunais superiores.

Se não há no Poder Judiciário juiz vinculado a desembargador, não pode haver ministro ou conselheiro substituto vinculado a ministro ou conselheiro, pois tal situação interfere na isenção da instrução processual, na imparcialidade das conclusões do seu relatório e atenta contra a autonomia e independência do auditor, ministro ou conselheiro, em afronta ao próprio Estado Democrático de Direito.

Feitas essas considerações, é de se ponderar, ainda, que conquanto a impropriedade da nomenclatura contribua para as distorções, como visto, não são raras as vezes que questões políticas é que constituem o pano de fundo das normas infraconstitucionais que limitam ou distorcem a atuação desse agente, impedindo-o de exercer plenamente a magistratura de contas, ao restringir sua atuação nos processos que tramitam nos tribunais de contas.

De toda forma, seja por desconhecimento da acepção jurídica do cargo, seja por interesses políticos envolvidos, o fato é que a desconsideração da carta constituinte na composição das corte de contas, debilita e corrompe o sistema de controle externo e, por tal razão, deve ser repelida. Nas palavras de Canha (2014, p. 47):

Ao reduzir a relevância do papel dos Auditores dos Tribunais de Contas corre-se o risco de transformar o seu exercício em uma sinecura. E toda sinecura é incompatível com os princípios da eficiência e da moralidade da Administração Pública. Para que isso seja evitado, é necessário que a capacidade técnica desses profissionais seja plenamente aproveitada, remetendo-lhes as atribuições devidas, nos termos constitucionais, com os deveres e direitos inerentes à magistratura.

2.4 Das normas que promovem distinção na distribuição processual

Na sessão anterior foi apresentada a discussão quanto às normas infraconstitucionais que violam a atribuição judicante do cargo de auditor. Convém avaliar agora se nos tribunais de contas, cuja previsão legal estabelece a atribuição judicante do cargo, tal disposição é cumprida em sua integralidade, respeitando todas as garantias do cargo, notadamente a do juiz natural.

O princípio do juiz natural, oriundo do art. 5º, incisos XXXVII10 e LIII11, da Carta da República, traz como consequência a regra da livre distribuição. Tal regra está expressa nos arts. 284 e 285 do novo Código de Processo Civil, transcritos:

Art.284. Todos os processos estão sujeitos a registro, devendo ser distribuídos onde houver mais de um juiz.

Art. 285.  A distribuição, que poderá ser eletrônica, será alternada e aleatória, obedecendo-se rigorosa igualdade. (BRASIL, 2016).

Nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira (2012, p. 20), a referida regra estabelece que onde houver competência concorrente, impõe-se a prévia distribuição, paritária e alternada, entre os juízes, em caráter de igualdade.

Nessa distribuição, deve-se verificar aspectos abstratos, gerais e objetivos, a fim de evitar-se uma designação ad hoc” (SCHWAB, 1987, p. 127).

O princípio do juiz natural tem como objetivo garantir a justiça no processo, uma vez que almeja a imparcialidade do julgador. A relevância da imparcialidade do juiz mostra-se muito além de um atributo da função jurisdicional, mas é vista atualmente como imprescindível.

Justamente por ter como horizonte a imparcialidade do juiz é que as modernas constituições têm consagrado o referido princípio, exigindo que a indicação do julgador se dê previamente à ocorrência dos fatos ensejadores de análise judicial e livre de qualquer evento concreto ocorrido ou que venha a ocorrer.

Assim, o juízo natural é aquele previamente designado para analisar as causas definidas de forma abstrata, de tal modo que o demandante tenha assegurado que seu processo será analisado desconectado de interesses ou paixões adversas.

Veja-se, por oportuno, o entendimento consagrado no STF e no STJ, abaixo transcritos:

EMENTA HABEAS CORPUS. MAGISTRADO ESPECIFICAMENTE DESIGNADO PARA JULGAR A AÇÃO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NECESSIDADE DE GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ORDEM CONCEDIDA.

1.O postulado do juiz natural tem por finalidade resguardar a legitimidade, a imparcialidade e a legalidade da jurisdição.

  1. A garantia do devido processo legal somente se realizará plenamente com a certeza de que não haverá juiz de exceção
  2. É ilícita a designação ad personam de magistrado para atuar especificamente em determinado processo.
  3. No caso, falta razoabilidade à justificativa apresentada pelo Tribunal de origem – grande acúmulo de serviços daquele que seria o substituto legal na ação – para proceder à designação casuística, especial de magistrados para julgar o feito. As Portarias n. 1.623/2009 e 744/2010 do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, são incompatíveis com os regramentos constitucionalmente estabelecidos.
  4. Ordem concedida a fim de anular todos os atos praticados pelos magistrados designados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para atuarem, especificamente na ação penal em questão (BRASIL, 2011).

Processo. Distribuição. Direcionamento injustificado da causa a determinado juízo. Ato não aleatório. Ofensa aos princípios do juiz natural e da distribuição livre que asseguram a imparcialidade do juiz e integram o justo processo da lei. Nulidade processual absoluta. Desnecessidade de indagação de prejuízo […] Aplicação do art. 5º, XXXVII e LIV, da CF. Distribuição injustificada de causa a determinado juízo ofende o justo processo da lei (due process of flaw) e, como tal, constitui nulidade processual absoluta (BRASIL, 2008).

Considerando que a todos é garantido um julgamento justo, deve-se reconhecer que o princípio do juiz natural se aplica, de igual forma, ao processo administrativo. É certo que a cláusula expressa no referido inciso LIII do art. 5º da Constituição Federal, não faz qualquer segregação entre processo judicial ou administrativo. Dessa forma, mostra-se correto afirmar que o dispositivo constitucional envolve as duas hipóteses, devendo, por conseguinte, ser observado em procedimentos administrativos.

Nesse ponto, é relevante demonstrar a natureza jurídica dos processos que tramitam nos tribunais de contas. O ilustre doutrinador Jacoby Fernandes (2012) afirma ser possível indicar que esse órgão, a exemplo dos órgãos do Poder Judiciário, produz decisões de natureza jurisdicional e também meramente administrativa.

Reforça seu argumento invocando o escólio do Ministro Athos Gusmão Carneiro (1989 apud FERNANDES, 2012, p.115), no sentido de que os tribunais de contas têm atribuições de natureza administrativa, mas quando julga as contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, é de se reconhecer que tal julgamento sobrepõe-se ao Poder Judiciário, no que concerne ao aspecto contábil, sobre a regularidade da própria conta.

Nos dizeres do Ministro Victor Nunes Leal “a disposição constitucional de que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual não é obstáculo a estes entendimentos, porque, no caso, a redução de competência do Judiciário resulta da Constituição, e não da lei” (LEAL, 1960, p. 231).

Ademais o art. 73 c/c art. 96 da CF/88, expressa a simbiose da atuação deste órgão de controle externo com o órgão judiciário, ao determinar que o Tribunal de Contas exerce no que couber as atribuições previstas nas competências próprias dos tribunais do Poder Judiciário.

Pontes de Miranda (1970, t. III, p. 255) ao destacar o enfraquecimento das atribuições do Tribunal de Contas na Constituição Federal de 1967 e na EC n. 01/69, dá à função desse órgão o nome judicialiforme.

[…] quase toda a função judiciária do Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas dá parecer prévio sobre as contas do Presidente da República …elabora seu regimento … representa ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional … susta a execução de ato, se não se trata de contrato, mas o Presidente da República pode ordenar que se execute, ad referendum do Congresso Nacional. Se a despesa é resultante de contrato, ele apenas solicita que o Congresso Nacional suste a execução do ato … A função judicialiforme do Tribunal de Contas diminuiu, porém não profundamente (PONTES DE MIRANDA, 1970, t. III, p. 255).

Assim, é de se reconhecer as características jurisdicionais especiais das cortes de contas, notadamente quando se verifica que o órgão responsável por guardar e interpretar em última instância a Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal, já se manifestou sobre tais características, inclusive ao afirmar a impossibilidade de o Judiciário anular as decisões em processos de contas, ressalvada a hipótese de não ser observado o princípio do devido processo legal MS/DF 23550-1 (BRASIL, 2001).

Acrescente-se ainda, a tudo que foi exposto, a necessidade de que nos processos que tramitam nos tribunais de contas se respeite o devido processo legal por força cogente da Súmula Vinculante n. 03, do STF, in verbis:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão (BRASIL, 2007).

Ora, conforme art. 73, § 3º e § 4º, da Constituição Federal de 1988, os tribunais de contas possuem em sua estrutura duas categorias de magistrados de contas: ministros ou conselheiros e ministros ou conselheiros substitutos, estes equiparados a juízes do Tribunal Regional Federal, no caso na União, ou a juízes de entrância especial, no caso dos Estados e Distrito Federal; aqueles aos ministros do STJ, no caso da União, ou aos desembargados dos tribunais de justiça, no caso dos Estados e do Distrito Federal.

Por óbvio, para o pleno exercício da magistratura de contas exige-se o atendimento de todas as garantias inerentes ao cargo, notadamente quando se constata que no exercício de suas incumbências o magistrado manifesta parcela da soberania estatal, daí a importância de garantir a imparcialidade em sua atuação.

Nesse diapasão, com igual motivo o princípio do juízo natural e da livre distribuição também se mostra obrigatório nos processos de contas, como forma de garantir uma atuação legítima, imparcial e impessoal do julgador, cuja atuação deve ter como norte preservar o erário dos malefícios do mau uso dos recursos públicos.

Convém trazer a lume, o disposto na CF/88, a fim de refletir sobre o significado jurídico do conceito da distribuição processual:

Art. 93 – Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[…]

XV – a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição (BRASIL, 2015e).

Como visto, a Carta da República define a distribuição como um princípio a ser cumprido imediatamente onde houver magistrados. No dicionário jurídico encontramos o seguinte conceito de distribuição:

Escolha do juiz ou relator do processo, por sorteio. Pode acontecer também por prevenção, ou seja, o processo é distribuído para um juiz ou ministro que já seja relator da causa ou de processo conexo. No caso de um juiz ou ministro declarar-se impedido é feito novo sorteio (BRASIL, 2015f).

Ato administrativo pelo qual se registram e repartem entre os juízes processos apresentados em cada juízo ou tribunal, obedecendo aos princípios de publicidade, alternatividade e sorteio (BRASIL, 2015g).

Nessa direção, não se pode dissociar o conceito de distribuição processual dos princípios do sorteio, da publicidade e da alternância, indispensáveis para materializar o princípio da transparência e imparcialidade na atuação dos tribunais de contas.

O objetivo de tais princípios é impedir direcionamentos, a fim de resguardar o juiz natural, de tal modo que a manifestação do controle externo se dê estritamente em prol do erário, de modo isento na análise da aplicação dos recursos públicos e em atendimento ao interesse público.

Em levantamento efetuado nos regimentos internos e regulamentos dos Tribunais de Contas, observa-se que, em alguns, a distribuição processual aos Conselheiros Substitutos ocorre de modo distinto aos princípios ao norte mencionados, pois oram limitam sua atuação à apenas algumas classes processuais, retirando da livre distribuição alguns processos de contas específicos, ora atribuem a um Conselheiro ou ao Presidente a discricionariedade quanto aos processos a serem distribuídos aos Conselheiros Substitutos.

No Estado do Amapá, por exemplo, são distribuídas algumas classes de processos aos conselheiros substitutos, no entanto, alguns dos processos são submetidos ao Colegiado e outros, diretamente aos conselheiros. Neste Tribunal os conselheiros substitutos ficam vinculados ao gabinete de um conselheiro, ou seja, não atuam com autonomia e independência de magistrado.

Já no Tribunal de Contas dos Municípios do Pará, os processos distribuídos para a relatoria dos conselheiros substitutos são efetuados por uma redistribuição de processos dos Conselheiros Relatores, a critério da Presidência. Assemelham-se à uma espécie de delegação, exigindo-se que a proposta de decisão do conselheiro substituto seja referendada pelo conselheiro relator originário do processo.

Por sua vez, nos tribunais do Paraná e Rondônia somente os processos referentes aos atos sujeitos a registro são distribuídos aos conselheiros substitutos. O Tribunal de Contas do Tocantins e do Pará dividem seus processos em listas tanto quanto são os Conselheiros e estabelecem um percentual de processos dentro das listas que serão sorteados aos Substitutos.

Os demais tribunais estabelecem critérios de distribuição equitativos entre conselheiros e conselheiros substitutos, em consonância com o princípio do juiz natural. É importante ressaltar que muitos desses tribunais dividem seus processos em listas de unidades jurisdicionadas, mas com critérios objetivos de distribuição, antes de realizarem o sorteio entre seus membros titulares e substitutos. Quanto aos tribunais em que a distribuição dos processos autuados é realizada por sorteio igualitário entre todos os membros titulares e substitutos destacam-se os do Ceará, do Distrito Federal, do Maranhão, de Minas Gerais e do Piauí

Perquirindo sobre a possibilidade de discriminação na distribuição de processos aos conselheiros substitutos, encontram-se recentes demandas judiciais, em que a distribuição equânime e impessoal foi garantida, como se observa dessa decisão contra ato do Tribunal de Contas do Estado do Sergipe:

[…] Diante do exposto, concedo a medida liminar pleiteada, a fim de suspender a eficácia dos artigos 29, parágrafo único, e artigo 31, II, do Regimento Interno, aprovado na Resolução nº 270/2011, ao tempo em que deve se providenciar a imediata distribuição dos processos de contas aos Auditores, com toda equidade, mediante critérios impessoais de sorteio aplicáveis a todos os magistrados das Cortes de Contas, para que possam presidir a instrução dos processos, relatando-os perante os integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado (SERGIPE, 2012).

Em outra ação, na inicial do pedido do MS n. 5918-31.2009.8.06.0000/1, agora contra ato do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará que cerceou a atribuição judicante do conselheiro substituto, impetrante requereu:

[…]1 – Que seja concedida medida liminar inaudita altera pars, determinando ao Exmo. Sr. Presidente do TCM-CE, que CUMPRA o artigo 74, §1°, da Lei Estadual n° 12.160/1993 – Lei Orgânica do TCM, providenciando a imediata distribuição de processos de contas ao impetrante, para que possa coordenar (dirigir) a sua instrução, como magistrado-relator, devendo ser os processos distribuídos mediante critérios impessoais de sorteio, aplicáveis a todos os magistrados da Corte de Contas, inteligência do artigo 14 de sua Lei Orgânica, combinado com o artigo 33, inciso IV, do Regimento Interno do TCM;

2 – Que por meio da mesma medida liminar, se determine a suspensão da eficácia dos artigos da autônoma Resolução n° 06/2008, que impingem ao Auditor atribuições não previstas na CF/88, na Constituição do Ceará e tampouco na LOTCM, em especial os artigos 1°, 2°, 5°, 6° e 8°; ao final, na sentença, julgue-se por sua definitiva anulação, visto eivada de vícios insanáveis […] (CEARÁ, 2015a).

Em análise ao referido mandado de segurança, o relator deferiu a medida liminar requerida, nos seguintes termos:

Daí porque essa Resolução do Tribunal de Contas – nº 06/2008 – no particular, por aplicação estrita do princípio da legalidade, deve ser, de todo, rejeitada, por manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade.

Diante do exposto, sem mais delongas, por vislumbrar, na espécie em exame, a presença dos requisitos necessários à concessão da medida liminar, defiro-a para os fins a que aludem os itens 1 (um) e 2 (dois), da inicial respectiva (fl. 39) (CEARÁ, 2015a).

Importante fazer constar também que, inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Ceará, o Estado entrou com o pedido de suspensão de segurança (SS nº 4005) no âmbito do Supremo Tribunal Federal. No entanto, não logrou êxito, visto que o Ministro Gilmar Mendes, indeferiu, em 27/01/2010, tal pedido e mantendo a decisão inicial, que garantia não só o exercício da atribuição judicante, mas também a distribuição equânime e impessoal dos processos.

Dessa forma, é de se concluir que os procedimentos de distribuição processual impactam diretamente no exercício da judicatura de contas, uma vez que o princípio do juiz natural tem por finalidade resguardar a legitimidade, a imparcialidade e a legalidade da jurisdição e, por isso, quando não observada a igualdade, a paridade, a alternância e o sorteio na distribuição processual, o que se verifica é a corrosão da prestação jurisdicional e, por conseguinte, o enfraquecimento do próprio controle externo.

3 CONCLUSÃO

Como já exposto, no tocante aos ministros e conselheiros substitutos, desde a primeira legislação que trouxe sua regularização – o Decreto n. 13.247/1918 – já se verificava a competência para relatar processos, quais sejam, as tomadas de contas, bem como substituir os ministros em suas faltas eventuais. Passados quase um século, e mesmo após o cargo de auditor ganhar assento constitucional em 1988, verificam-se dissonâncias entre as normas infraconstitucionais de alguns entes federados com o modelo federal, no que diz respeito às atribuições e às competências do cargo de conselheiro substituto.

Ainda que haja questões políticas envolvidas e a própria nomenclatura do cargo contribua para obstaculizar a uniformidade das atribuições, é de se reconhecer que a Constituição Federal faz expressa menção à atribuição judicante do cargo de auditor e exige dos demais entes que se observe o modelo federal de organização.

Ora, partindo do princípio de que na Constituição da República não existem palavras inúteis, a palavra judicatura, usada como atribuição exercida pelo ministro e conselheiro substituto, quando não está em substituição a ministro ou a conselheiro, deve ser utilizada no lugar de magistratura. E assim sendo, deve ostentar todas as garantias de independência dos juízes de direito da mais alta entrância – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

Significa dizer que, nos termos da Carta da República, no exercício das atribuições da judicatura, o conselheiro substituto atua sem subordinação jurídica, estando vinculado, exclusivamente, ao ordenamento jurídico, com o desiderato de colocar-se acima das questões políticas e daqueles que pretendem exercer pressão sobre suas decisões e com o fito de manter a imparcialidade em prol do interesse público.

Dessa forma, devem ser rechaçadas normas que querem impor hierarquia entre os agentes que exercem a função jurisdicional, imputar a atribuição de chefiar unidades auxiliares do Tribunal de Contas ou, notadamente, determinar a emissão de parecer nitidamente de caráter instrutório.

Certamente que, ao repelir a atribuição de emitir parecer, isso não se aplica aos processos que, por sua própria natureza, encerram uma deliberação na forma de um parecer, a exemplo do parecer prévio das contas de governo ou em processos de consulta. Nesses casos não há qualquer vício, pois em ambos os casos é autuado um processo e designado um relator – de modo idêntico ao que acontece com todos os processos dos tribunais de contas – que o presidirá e apreciará a matéria à luz do seu livre convencimento motivado, calcado nas atribuições da própria judicatura, com total autonomia e independência.

O que deve ser repelido é o parecer opinativo que constitua, tão somente, mais uma das peças instrutivas dos processos que tramitam nessas cortes de contas, destinadas a, segundo a discricionariedade do relator, subsidiar seu voto. Nessas situações, o conselheiro substituto apresenta um parecer dentro de um processo cujo relator não é ele e, sim, um conselheiro, criando a anômala figura de um magistrado (conselheiro substituto) instruir processo em que outro magistrado (onselheiro) é o relator.

Este entendimento ganha contornos ainda mais sólidos quando se constata que, no âmbito da União, o legislador ordinário, por meio da Lei n. 8.443/92, ao tratar da organização do TCU, manteve-se fiel ao texto constitucional, e definiu, no parágrafo único do art. 78, que o auditor, quando não convocado para substituir ministro, presidirá a instrução dos processos que lhe forem distribuídos, relatando-os com proposta de decisão a ser votada pelos integrantes do Plenário ou da Câmara para a qual estiver designado.

Veja-se que o TCU não prevê que a figura do ministro substituto emita parecer meramente instrutivo. Assim, em face da obrigatoriedade de simetria com o modelo federal, há de se reconhecer que os demais entes da federação devem seguir o exemplo da União, uma vez que afrontar o princípio da simetria seria fazer ruir o sistema de controle externo idealizado pelo constituinte.

Por isso, a função judicante a que alude o § 4º do art. 73 da Constituição Federal deve ser compreendida, no âmbito das cortes de contas, como de natureza deliberativa, de caráter judicante lato sensu, e que, como tal, encerre as competências atribuídas aos tribunais de contas nos incisos I, II e III, do art. 71 da Lei Maior. Assim, o conselheiro substituto deve atuar como presidente dos processos que lhe forem distribuídos, relatando-os com proposta de decisão a serem submetidas ao Colegiado.

Nesse diapasão, deve-se inferir também que para o pleno exercício das atribuições judicantes, faz-se necessário o gozo de todas as garantias inerentes ao cargo, notadamente a do juiz natural, que, como exposto, tem como objetivo garantir a justiça no processo.

O que se busca com tal princípio é assegurar que o processo seja analisado desconectado de interesses ou paixões adversas. Dessa forma, o princípio do juízo natural, no qual se insere o da livre distribuição, também se mostra obrigatório nos processos de contas, como forma de garantir uma atuação legítima, imparcial e impessoal do julgador, cuja atuação deve ter como norte preservar o erário dos malefícios do mau uso dos recursos públicos.

Nesse norte, não se pode dissociar o conceito de distribuição processual dos princípios do sorteio, publicidade e alternância, indispensáveis para materializar o princípio da transparência e imparcialidade na atuação dos tribunais de contas.

Nessa perspectiva, deve-se considerar como nula e inconstitucional toda norma ou ato que venha designar um julgador para atuar em um processo específico, bem como a que promova discriminação na distribuição para atender interesses que firam a impessoalidade, a imparcialidade e a isonomia com as quais a jurisdição de contas deve ser prestada.

Em síntese, o ministro e conselheiro substituto deverá exercer as atribuições típicas da magistratura de contas e até mesmo emitir parecer, desde que nos processos cuja deliberação se encerre sob essa forma, a exemplo do parecer prévio das contas de governo, mas sempre na condição de relator desses processos – pois são também atividades afetas aos ministros ou conselheiros – a serem submetidos ao Colegiado do Tribunal de Contas na forma de uma proposta de decisão; mas nunca para instruir processo de outro relator, e menos ainda poderá desempenhar atividades no corpo auxiliar, pois é atribuição, conforme frisado, divorciada do exercício da judicatura.

Ainda, mostra-se, juridicamente impossível e inconstitucional, seja por desrespeito à simetria imposta pela Carta Federal no seu art. 75, seja pela desmoralização da sua condição de magistrado, insculpida no art. 73, §4º, a criação de novas atribuições para os Ministros ou Conselheiros Substitutos que não sejam a da judicatura.

De igual modo, as previsões normativas que não promovam a distribuição de processos, de modo equânime e impessoal aos conselheiros substitutos, atentam contra o texto constitucional por ferir o princípio do juízo natural, garantidor da imparcialidade, isonomia e igualdade na prestação jurisdicional dos tribunais de contas, danificando o sistema de controle externo idealizado pelo constituinte e, com igual gravidade, o próprio interesse público.


REFERÊNCIAS

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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. São Paulo: Fórum, 2012.

1 Veja-se Resolução n. 03/2014 da Atricon, publicada em 13/08/2014.

2 Veja-se art. 14 do Decreto n. 13.247/1918.

3 Resolução Administrativa n. 90/1988 – TCU

4 Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

5 ADI n. 1.994-5 – ES (BRASIL, 2015i)

6 ADI 916 MT, Relator: JOAQUIM BARBOSA.

7 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; […].

8 Apreciando o Mandado de Segurança n. 2009.0007.1576-4/0

9 O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.

10 “Não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

11 “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.