Há celeuma quando se indaga sobre a obrigatoriedade de as fundações de natureza privada prestar contas aos órgãos de controle externo, notadamente os Tribunais de Contas. Com o patrimônio colocado a serviço de um propósito lícito e útil à sociedade, as fundações estão vocacionadas à consecução do interesse comum. Sob esse aspecto, não se percebe dissonância nas vozes dos que defendem a existência dessa peculiar pessoa jurídica, uma vez que os benefícios advindos de suas atividades são positivos e capazes de transformar a realidade social.
Mas, sob a perspectiva dos alicerces que sustentam o Estado Democrático de Direito, em que deve haver prestação de contas perante um órgão público de controle externo sobre os bens e valores públicos, a questão que se põe é a seguinte: as fundações de natureza privada, que já são veladas pelo Ministério Público, consoante art. 66 do Código Civil, estariam obrigadas a prestar contas aos Tribunais de Contas?
No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo essa questão tem sido analisada e aprofundada, com estudos que remontam a abril de 1989 (TC-A 044913/026/89, TC-028.901/026/91 e TC-34.749/026/03). Deles emanaram orientações que definiram quais seriam as fundações jurisdicionadas: a típica, a de apoio e a conveniada. Atualmente, os estudos mais recentes estão insertos no Manual de Autoria do TCESP; Manual Básico – O Tribunal e as Entidades Municipais da Administração Indireta – Autarquias, Fundações, Consórcios e Empresas Estatais do Município; Manual Básico – O Tribunal e a Administração Indireta do Estado – Autarquias, Fundações e Empresas Estatais do Governo do Estado de São Paulo, (disponíveis em http://www4.tce.sp.gov.br/manuais-basicos).
Assinale-se que o TCE-SP fiscaliza 187 fundações: 27 fundações estaduais de apoio; 33 fundações estaduais conveniadas; 31 fundações municipais de apoio; 01 fundação municipal conveniada; 27 fundações estaduais típicas; e 68 fundações municipais típicas. Para escaparem da obrigação de prestar contas, tornou-se recorrente a alegação, por parte das fundações de apoio e das conveniadas, de que não são fundações de direito público. E, como fundações de caráter estritamente privado, não seriam alcançadas pela jurisdição do órgão público de controle externo, tampouco pelos princípios e legislação aplicáveis à Administração Pública, sobre elas recaindo, por força do art. 66 do Código Civil, exclusivamente a fiscalização do Ministério Público.
Entretanto, consoante reiteradas decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, há obrigatoriedade de tais fundações prestarem contas perante esse órgão constitucional de controle externo, pois, de uma forma ou de outra:
a) são constituídas por patrimônio proveniente de doações feitas por entidades públicas estaduais ou municipais paulistas;
b) são fomentadas por recursos públicos do Estado ou de Municípios paulistas;
c) estão instaladas em imóveis públicos. Ressalte-se, ainda que a única relação com a Administração Pública seja a utilização de imóveis públicos, tais fundações têm a obrigação de prestar contas ao Tribunal de Contas, em razão da origem dos imóveis públicos gerenciados e do interesse público envolvido;
d) se valem do nome ou da marca de excelência de Entidade da Administração Pública no exercício de suas atividades. Assim, utilizam, em verdade, patrimônio público, ainda que intangível, impondo-se a obrigatoriedade de prestação de contas ao órgão de controle externo e/ou;
e) utilizam servidores de Entidade da Administração Pública. Algumas fundações possuem, inclusive, relevante participação – e até mesmo previsão estatutária desta participação – em seus órgãos de cúpula de docentes/diretores/autoridades/servidores de Universidades Públicas, atraindo a obrigatoriedade de prestação de contas à Corte de Contas Paulista. Isso porque, trata-se de situação que indica indissociável relação entre a fundação e a Entidade Pública, na medida em que seus Conselhos e/ou Diretoria são compostos por pessoas ligadas à Entidade Pública e, desta forma, difícil é a desvinculação entre as Entidades, inclusive pelo transcurso do tempo e trajetória histórica.
Portanto, mesmo tendo sido constituídas como pessoas jurídicas de caráter eminentemente privado, essas entidades, pelas razões acima expostas, ficam submetidas ao crivo do controle externo, consoante art. 71, II, da Constituição Federal, o qual preceitua que as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos estão submetidas às atribuições do correspondente Tribunal de Contas, por força do princípio da simetria, expressamente previsto no art. 75 da própria Constituição da República.
Assim, o gestor de fundação (de apoio ou conveniada), responsável por dinheiros, bens e valores públicos, deve observância a essas diretrizes constitucionais, não lhe sendo concedido substituir, pelas suas, as legítimas e superiores convicções do constituinte originário, porquanto, assenta-se em postulado republicano-democrático a premissa de que, se houver recurso público envolvido, impõe-se que dele se preste contas ao organismo constitucional de controle externo.
Dimas Ramalho é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).