Vivo um dos momentos mais difíceis. Minhas imperfeições são conhecidas desde que nasci. Se o meu propósito é ser o governo do povo, como explicar que já nos primórdios, na Grécia, a maior parcela da população – mulheres, estrangeiros e escravos – estava excluída do meu processo? Até sábios como Platão e Aristóteles, por temerem que eu me convertesse em demagogia ou em governos de medíocres, fizeram-me ressalvas. O tempo, contudo, encarregou-se de me aprimorar e mostrar que a minha estrada, rumo à civilização, é a que propicia os menores percalços. Churchill decifrou a charada, ao concluir que eu sou o menos imperfeito dos caminhos para o desenvolvimento.
Mas, como eu disse, as pedras da jornada são permanentes. A erosão que sofro hoje acaba de ser bem diagnosticada pelo “Índice de Democracia Global 2021”, publicado pela “The Economist” (ver em: https://bit.ly/3LA3NAf). O percentual da população mundial que vive sob a minha batuta diminuiu de 49,4%, em 2020, para 45,7%, em 2021. Dos 167 países estudados, só 23 foram considerados “democracias plenas”, enquanto 52 se enquadram como “imperfeitas”. Os demais foram classificados como “híbridos” ou “autoritários”. O Brasil manteve-se como “democracia imperfeita”, obtendo a nota 6,86, inferior aos melhores resultados obtidos em 2006, 2008 e 2014, quando chegou a 7,38.
Estudos como este evidenciam os múltiplos fatores que me fazem sentir essa espécie de Burnout existencial. Os “adultos da sala” precisam agir para fazer o Estado cumprir melhor o seu papel. A crise da qualidade das políticas públicas, sobretudo nos países mais desiguais, com pouca mobilidade social, aliada a um sistema tributário regressivo, sem esquecer os dissabores éticos, acabam gerando o qualunquismo (a indiferença do cidadão) e, pior, acendem os holofotes do debate público para ignorantes, ressentidos e propagadores do chamado “bullshit’ (literalmente, “esterco de gado” = doses cavalares de mentiras e delírios com pitadas de verdades). Tudo amplificado pelas redes sociais, que chegaram fazendo-se de aliadas, mas que vêm se revelando uma nova Ágora babélica demolidora da boa discussão. Acrescentem-se as tentativas de enfraquecer as instituições que me sustentam e garantem o Estado de Direito, erodindo sobretudo aquelas que impõem controles aos arroubos populistas e garantem a lisura do meu processo.
A última pesquisa Ipespe aponta que, apesar de tudo, 67% dos brasileiros preferem a mim. Não joguem a toalha, pois eu não costumo vencer por nocaute. Será ponto a ponto.