Auditar para o presente e o futuro

Frequentemente ouço críticas às iniciativas governamentais que determinam a realização de auditorias sobre fatos ocorridos nas gestões que os antecederam. Tanto faz se é no contexto de empresas estatais com operações internacionais ou de governos estaduais e municipais, ou mesmo no âmbito do Poder Legislativo, as reclamações são semelhantes. Acusa-se quem audita de se preocupar com o passado, negligenciar o presente e comprometer o futuro. Questiona-se a utilidade das auditorias, alcunhadas pejorativamente de “autópsias”. Afirma-se que o bom gestor não deve dirigir olhando para o retrovisor.
Sustento que não é bem assim. Na realidade, as auditorias, quando bem executadas, são muito úteis, tanto para entender o presente como para preparar o futuro. E também, eventualmente, para punir infratores, pois a impunidade é um péssimo exemplo.
Mas primeiro temos que explicar o que é auditoria e porque é necessária, e também o que não é auditoria, mas simples propaganda.
Em alguns casos, a palavra auditoria não passa de um vocábulo oco no discurso partidário, que busca atribuir aos adversários responsabilidades e culpas pelas mazelas administrativas. Trata-se apenas de iniciativas voluntaristas, que objetivam acumular desgaste para prováveis futuros competidores eleitorais. Acumulam-se acusações a torto e a direito, mas não se efetivam medidas corretivas para aprimorar a gestão pública.
Em outras situações, a expressão é utilizada com o objetivo oposto ao anunciado: cuida-se de anunciar rigorosas providências, mas o intuito é não apurar nada com seriedade, para proteger aliados e dissolver responsabilidades. Nessa hipótese, a “auditoria” é de fato uma “lavanderia”, para limpar reputações e chancelar procedimentos.
Certa vez presenciei no Rio de Janeiro uma “auditoria” que suspendeu por mais de três anos a execução da obrade uma unidadede tratamento de resíduos sólidos, não concluiu nada e, quando se quis retomar a obra, a mesma estava completamente destruída. Aquela malsinada “auditoria” aumentou o prejuízo às finanças públicas, ao invés de recuperá-lo!
Nenhuma dessas é a auditoria técnica a que me refiro, conduzida por profissionais qualificados nas áreas de controle interno e externo.
Auditoria é uma atividade essencial para a boa gestão, não apenas na área pública, como também na esfera privada. Auditoria deve ser uma atividade permanente e sistemática e não apenas quando surgem denúncias ou se substituem gestores. Auditoria não pode ser improvisada, mas seguir um planejamento estratégico e obedecer a rigorosos padrões técnicos. Auditoria não pode ser apressada, mas necessita ter prazos pré-estabelecidos para as etapas de planejamento, trabalhos de campo, exame de documentos, elaboração de relatórios conclusivos e monitoramento do cumprimento das determinações e recomendações emitidas.
Os auditores não são inimigos dos auditados, mas tampouco lhes são subordinados. Os auditores não se confundem com inquisidores ou policiais, mas devem ter a sua independência respeitada e o seu trabalho não pode sofrer obstruções ou boicote. Os auditores devem ter a sua carreira prestigiada, não apenas na sua remuneração, mas também com permanente investimento em capacitação e atualização.
Há registro de situações em que alguns gestores desenvolvem uma relação neurótica com a auditoria: têm verdadeira fobia do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas e descarregam seus traumas perseguindo ou esvaziando o controle interno.
Tanto na Medicina Legal como no Direito Penal, muitas vezes as “autópsias” são indispensáveis para compreender as circunstâncias de um crime e prevenir a ocorrência de vários outros. O mesmo ocorre com as auditorias técnicas.
O gestor bem intencionado não pode temer auditorias, mas ter a visão de que elas são importante instrumento de diagnóstico de problemas administrativos complexos e de auxílio à tomada de decisões para o aprimoramento das políticas públicas. Auditar é necessário, para o presente e para o futuro.
 
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.