Consensualismo no TCU: por que 2025 foi um ano decisivo?

Bruno Dantas

O ceticismo é reação natural a toda inovação no Direito Administrativo. Ainda mais quando ela propõe soluções que não se esgotam na invalidação, na sanção ou no litígio prolongado. Ao longo de 2023 e 2024, o consensualismo no Tribunal de Contas da União foi observado com atenção, reservas e, não raramente, desconfiança.

É precisamente por isso que 2025 merece ser lido como um ano decisivo.

A retrospectiva das decisões proferidas pelo Plenário ao longo desse ano revela que o consensualismo deixou de ser percebido como inovação episódica para se afirmar como instrumento estável e legítimo de complementação do controle externo. Longe de ser ruptura, ou abrandamento das competências constitucionais do Tribunal, representou o amadurecimento de uma prática que passou a integrar, de modo excepcional e criterioso, o seu repertório institucional.

Convém recordar o ponto de partida dessa trajetória. O consensualismo foi introduzido de forma sistemática na prática do TCU a partir de 2023, no contexto de uma agenda deliberada de modernização do controle externo, com estrutura normativa própria, critérios metodológicos claros e salvaguardas institucionais rigorosas.

Nos anos de 2023 e 2024, o tribunal lançou as bases dessa abordagem, testando seus limites, delimitando seus contornos e enfrentando, com transparência, as resistências naturais que acompanham qualquer inovação institucional relevante.

Era compreensível, naquele momento inaugural, que parte da comunidade jurídica enxergasse o consensualismo com cautela. Inovações introduzidas sob uma determinada Presidência tendem, não raro, a ser recebidas sob a suspeita de se tratar de agenda conjuntural, experimento transitório ou mesmo modismo passageiro.

A história institucional brasileira oferece exemplos suficientes de boas ideias que não sobreviveram à alternância de lideranças. É justamente por isso que 2025 assume significado singular.

Sob a Presidência do ministro Vital do Rêgo, o consensualismo foi aprofundado, refinado e aplicado com maior densidade, inclusive em casos de elevada complexidade jurídica, econômica e regulatória.

A técnica, introduzida e estruturada nos anos anteriores, não apenas subsistiu à transição de comando, como foi incorporada com naturalidade ao repertório decisório do Tribunal. Ao atravessar a alternância de Presidência e se fortalecer sob nova liderança, o consensualismo superou a suspeita de ser agenda conjuntural ou modismo passageiro, afirmando-se como inovação institucional estável e compartilhada.

A análise das decisões homologadas ao longo de 2025 evidencia um padrão decisório consistente. Em nenhum dos casos o consenso surgiu como ponto de partida. Ele foi sempre precedido de um percurso analítico exigente, estruturado em três indagações centrais: a identificação precisa da controvérsia; a avaliação das opções juridicamente disponíveis, à luz de seus custos, riscos e consequências institucionais — incluindo, entre elas, o cenário de não acordo —; e a demonstração de que a solução consensual se mostrava, de forma objetiva, superior às demais alternativas possíveis. Esse método tornou-se marca distintiva da atuação do Plenário no período.

Retrospectiva do ano revela que consensualismo não é técnica uniforme

Em alguns casos, foi empregado como instrumento de encerramento qualificado de relações jurídicas inviáveis, por meio de distratos acompanhados de encontros de contas rigorosamente auditados, rejeição de indenizações integrais e imposição de cláusulas robustas de quitação ampla e não litigância.

Em outros, viabilizou reorganizações regulatórias estruturais, com adaptação de regimes jurídicos superados e conversão de passivos litigiosos em compromissos de investimento, sempre sob monitoramento reforçado e garantias adequadas.

Houve também situações, especialmente no setor de infraestrutura, em que as decisões de 2025 revelaram o consensualismo como instrumento de recomposição de políticas públicas. Nessas hipóteses, o TCU atuou para permitir a reprogramação de contratos exauridos, a antecipação de investimentos relevantes e a preservação da continuidade dos serviços, mitigando riscos sistêmicos que afetariam usuários, mercados e a própria capacidade estatal de entrega de resultados.

Em todos esses cenários, destacou-se a preocupação constante do Tribunal com a mitigação de riscos, em especial o risco moral. A crítica segundo a qual a negociação ad hoc poderia comprometer a impessoalidade ou estimular acomodações estratégicas não foi ignorada. Ao contrário, foi enfrentada por meio do desenho institucional das soluções consensuais. O consensualismo não se legitima por intenções declaradas, mas pelos mecanismos objetivos que o cercam.

É nesse contexto que se compreende a centralidade dos testes de mercado. A submissão das condições pactuadas a procedimentos competitivos — ainda que adaptados às especificidades de contratos em execução — afirmou-se, ao longo de 2025, como técnica deliberada para validar parâmetros econômicos e regulatórios, afastar alegações de favorecimento e preservar a impessoalidade em sua dimensão substancial.

Se o operador original permanece, é porque prevaleceu em ambiente concorrencial; se é substituído, a política pública prossegue sem solução de continuidade.

A evolução desses mecanismos pode ser observada com especial nitidez na comparação entre os casos das rodovias Fernão Dias e Régis Bittencourt. O modelo tradicional de leilão, baseado em propostas apresentadas em envelopes fechados, mostrou-se insuficiente, por si só, para lidar com contratos complexos em fase avançada de execução. Os primeiros processos competitivos simplificados refletiam a necessidade de transição ordenada e continuidade do serviço.

Ao longo de 2025, contudo, o TCU refinou esse desenho institucional. A partir das lições extraídas do caso da rodovia Fernão Dias, o Tribunal passou a recomendar técnicas competitivas mais sofisticadas, capazes de ampliar a disputa efetiva e reforçar a legitimidade do consenso. Essa evolução alcançou seu ponto mais elaborado no caso da rodovia Régis Bittencourt, com a adoção de um processo competitivo simplificado de nova geração, marcado pela ausência de direito de preferência, por mecanismos de acirramento concorrencial e pela transferência assistida de controle societário.

Esse percurso evidencia o TCU como instituição dotada de racionalidade reflexiva, capaz de incorporar a experiência acumulada e de aperfeiçoar progressivamente seus instrumentos de governança, independentemente de quem ocupe a Presidência. Não se trata de inovação personalista, mas de maturação institucional.

Também se consolidou, ao longo de 2025, o afastamento de uma crítica recorrente: a suposta violação ao instrumento convocatório. As decisões do período reafirmaram, de modo consistente, que o edital rege o certame, mas não congela indefinidamente a relação jurídica. Nos contratos de longo prazo — que são, por definição, incompletos — a execução contratual se submete a princípios próprios, como a mutabilidade, a continuidade do serviço e a preservação do interesse público.

Por fim, a excepcionalidade do consensualismo encontra confirmação inequívoca nos próprios dados empíricos do tribunal. Ao longo de três anos, cerca de quarenta casos foram protocolados no TCU, dos quais aproximadamente vinte resultaram em homologação pelo Plenário.

Ainda assim, os acordos celebrados envolveram mais de R$ 300 bilhões em ativos e permitiram o encerramento de arbitragens que superavam a marca de cem bilhões de reais. A assimetria entre a baixa frequência de utilização e o elevado impacto econômico das soluções evidencia que o consensualismo foi reservado a controvérsias estruturais, de alta materialidade e risco sistêmico relevante.

Não por acaso, a consolidação observada em 2025 já começa a irradiar efeitos para além do próprio TCU. Iniciativas como a Rede Consenso, capitaneada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas, e o FGV Consenso, hub vinculado à FGV Direito Rio, indicam que o consensualismo tende a se afirmar como prática institucional compartilhada, sempre sob critérios de excepcionalidade, rigor metodológico e responsabilidade pública.

Se havia dúvida quanto à natureza do consensualismo — se técnica estrutural ou mero expediente circunstancial —, a experiência de 2025 oferece resposta clara.

Bruno Dantas é ministro do Tribunal de Contas da União (TCU)

*Artigo publicado originalmente no ConJur