Covid-19 e inquietações auditoriais

Covid-19 e inquietações auditoriais

Há muito aprendi com o Professor Ángel González-Malaxetxebarria, um dos responsáveis pelo aprimoramento das auditorias nos Tribunais de Contas brasileiros, que o auditor não deve comportar-se como um comandante que chega ao campo de uma batalha perdida e critica ações dos que deram a vida pela causa.

Atordoado com a pandemia que assola a humanidade e ciente da nossa insignificância perante o universo, divido minhas inquietações auditoriais.

Nestes tempos de incredulidade, consultei portais de Tribunais de Contas pátrios e os sítios da International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI), da Organización Latinoamericana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (OLACEFS) e do Tribunal de Contas Europeu em busca de boas práticas sobre a atuação concreta para acompanhar ações e impactos relacionados ao combate da Covid-19.

Esses sites enfatizam, o que é salutar, o cuidado com seus servidores, o adiamento de prazos e a paralisação de eventos de formações, regras para o teletrabalho e a suspensão das sessões de julgamento.

Tudo isso é relevante, mas devemos fazer mais do que o necessário isolamento social.

Assim, muito em boa hora, o Conselho Nacional dos Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC) e as entidades representativas Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas (ABRACOM) e o Instituto Rui Barbosa (IRB) debateram temas relevantes para o combate à Covid-19.

Neste encontro telepresencial, entre outros, destaca-se o pensar do Conselheiro Sebastião Helvécio, vice-presidente do IRB, que afirmou não entender que seja o momento de realizar auditorias. “O papel dos Tribunais de Contas neste momento é um papel de solidariedade. Nosso conhecimento neste setor é muito menor que o conhecimento acumulado do Ministério da Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde e Secretarias Municipais de Saúde”.

Também merece enlevo o dizer do Presidente da ABRACOM, Conselheiro Thiers Montebello, pois em um momento de excepcionalidade “é preciso prudência, cautela e focar no principal, sem deixar a formalidade preceder as medidas urgentes”.

Indubitavelmente, não se pode esperar a passagem do que virá para atuar, mas também não se deve imiscuir-se, tampouco colocar óbices nas decisões daqueles que estão na linha de frente do bom combate, diuturnamente, agindo para salvar vidas.

Ressalto que a ação de controle externo em um momento de calamidade pública não pode inviabilizar ou mesmo retardar providências que urgem.

Com efeito, o momento exige que as esferas de governo adotem medidas rápidas, por vezes sem tempo para a devida análise, e que envolvem planos de ações imediatas, preparação de unidades hospitalares, contratação de pessoal, distribuição de medicamentos, insumos, material de higiene, equipamentos de trabalho, testes da Covid-19, entre outros.

Além disso, viveremos tempos de crises orçamentárias, com queda da arrecadação, aumentos e corte de gastos, parcelamento de dívidas e suspensão e retomada de contratos.

Nada obstante, quando a tormenta passar, as contas precisarão ser prestadas, e os órgãos de controle não poderão olvidar que problemas novos exigem novas soluções e novas rotinas auditoriais. Como diz Eduardo Fagnani, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “situações extraordinárias demandam ações extraordinárias” e, complemento, empatia e bom senso nas análises. Não se esquecendo de que há momentos em que nada a fazer não significa não fazer nada.

Essas são algumas inquietações, e clamo a nossa responsabilidade, como operadores do controle público, considerando o impacto no cidadão. Afinal, é fácil questionar o leite que se perdeu, o difícil é agir para que o balde não o derrame.

Inaldo da Paixão Santos Araújo. Mestre em Contabilidade. Conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor, escritor – [email protected].