Ainda da série “Compreendendo os Tribunais de Contas (TCs) e em defesa da Democracia e das Instituições”, reportamos o seguinte diálogo:
– A Constituição de 1988 fortaleceu muito os TCs, mas, passados 34 anos de vigência do atual modelo de controle externo, e em meio à crise do Estado, o debate sobre a reforma desses órgãos vem à tona. Renomados especialistas lançaram, recentemente, o documento “Contribuições para para um governo democrático e progressista” (www.sbdp.org.br), que, entre outras propostas, defende uma revisão geral nos TCs, com o propósito de “reconduzi-los ao papel de auditoria auxiliar do Legislativo”. Isso não seria um retrocesso?
– Sem dúvida. Primeiro não cabe falar em reconduzir os TCs para um lugar em que eles nunca estiveram. No Brasil, o sistema de controle externo da administração sempre contou, ao lado do Legislativo, com a participação de TCs autônomos, dotados de competências fixadas na própria CF e de poder sancionador. Esse sistema é adotado pela maioria dos países europeus. Da forma como está posto no documento, infere-se que o país substituiria os TCs pelo sistema de “Auditorias-Gerais” (anglo-saxão), que prevê um órgão unipessoal vinculado a uma comissão do Parlamento e sem poder de responsabilização. Essa medida, sim, levaria a uma indesejada politização desses órgãos. Retrocesso.
– Eles sugerem também que as regras sobre organização e competências dos controles públicos sejam retiradas da CF?
– Mais um equívoco. É fato que há assuntos na CF que podem ser regulados em leis. No entanto, organização e competências de instituições como os TCs e os Min. Públicos são matérias que dizem respeito à estrutura ontológica do Estado, de sorte que a Lei Maior é o seu lugar. A quem interessa a precarização do arcabouço normativo desses controles?
– Medidas como essas estariam inseridas nessa onda de erosão da democracia e das instituições?
– Por mais que se respeite os seus autores, bem como a legitimidade do necessário debate sobre aprimoramentos dos TCs, é preciso chamar a atenção para propostas dessa natureza, lançadas sem maiores detalhes e que, ignorando os evidentes avanços na atuação desses órgãos nas últimas décadas, apregoam uma desdenhosa e inconstitucional demolição do atual sistema. No momento em que se vê a defesa aberta do “enquadramento” do STF, com a injustificada e igualmente inconstitucional proposta de ampliação do número de seus ministros, os TCs devem ficar de olhos bem abertos. Sem os freios e contrapesos institucionais, resta-nos o abismo autocrático.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE