O Estado Necessário

Graves crises econômicas, como a que estamos vivenciando em decorrência da pandemia do novo coronavírus, causam impactos negativos de enormes dimensões nas contas públicas e nos remetem a outros episódios históricos, como o “Crash de 1929”, o “2º Pós-guerra” ou a “Crise Financeira de 2008”.

Conjunturas adversas como essas marcam também o início de uma trégua, ainda que temporária, entre duas grandes escolas do pensamento político, filosófico e econômico: o (Neo)Liberalismo e o Keynesianismo, a ponto de ser atribuída ao Prêmio Nobel de Economia Milton Friedman, um dos expoentes da primeira escola, a expressão de que “na crise, somos todos keynesianos”.

Keynes e a História nos ensinam que o Poder Público tem papel fundamental no combate ao ambiente econômico recessivo, por meio da adoção de políticas econômicas anticíclicas, que constituem um conjunto de ações voltadas a minimizar os efeitos de um ciclo econômico.

Numa abordagem macroeconômica, o Estado interage com a sociedade por meio da tributação e do gasto, vazando renda do fluxo circular do PIB quando arrecada tributos e injetando-a de volta, por meio dos serviços prestados (renda real) e do gasto público (renda nominal).

Uma redução drástica do gasto público desacelera esse fluxo circular, diminuindo o giro econômico, tão importante para a manutenção, ainda que mínima, da atividade da economia e para a sua posterior retomada.

Ocorre que não existe gasto público sem arrecadação. Em outras palavras, não há setor público sem o setor privado. E a recíproca é verdadeira. Mais do que nunca, essa relação simbiótica entre esses dois grandes atores econômicos faz-se imprescindível.

Portanto, medidas de incremento seletivo do gasto público, visando à manutenção da renda e do consumo das pessoas e, consequentemente, da produção e do faturamento das empresas, são absolutamente essenciais.

Muito embora grande parte dessas medidas de estímulo à economia caibam à União, que detém a autoridade monetária e a capacidade de endividamento, os Estados e Municípios têm papel importante nesse processo.

Compensação por parte da União das perdas de arrecadação dos Estados e Municípios e renegociação das dívidas destes para com aquela; concessão, pontual e setorizada, de linhas de crédito para empresas, inclusive com flexibilização das exigências de garantias e redução de taxas de juros, de subsídios financeiros e de incentivos fiscais são alguns exemplos dessas providências.

Nesse cenário, não há que se falar em Estado Mínimo nem Máximo, mas sim em um Estado Necessário: enxuto, inclusivo, eficiente e eficaz. E as Cortes de Contas brasileiras, como Tribunais da Governança Pública, têm uma imensa contribuição a dar no debate e na construção desse modelo emergente de Poder Público.

 

Adircélio de Moraes Ferreira Júnior – Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Secretário-Geral do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas.