Valdecir Pascoal
Foi ontem. Eu era um menino correndo e brincando atrás do tempo. Meus relógios caminharam lentamente até os 20 anos e, assim, ressurgem pontualmente nos momentos de deserto. De resto, o tempo tem passado mais depressa do que eu esperava. Alguns sinais: no trabalho, já sou o decano no Conselho do TCE-PE; na próxima primavera, quando setembro chegar, a boa nova é que serei avô; na quadra de tênis, o jovem, que aos 14 anos cravou 11,5s nos cem metros rasos, agora precisa cadenciar os passos.
É certo que todas as fases da vida têm sua beleza e seus desafios. Sou nostálgico por natureza, sempre em busca dos tempos perdidos, para lembrar Proust. Confesso, contudo, o prazer que venho sentindo com os novos tons de cinza dos meus cabelos. Não ousarei parafrasear Lupicínio Rodrigues – “Esses moços, pobres moços, ah, se soubessem o que eu sei…” – nem Nelson Rodrigues – “Os jovens possuem todos os defeitos dos mais velhos, e mais um: a juventude.” Não é bem assim. A juventude é linda, é página de um livro bom e fundamental, e precisamos dela reluzente, bem como de seu espírito em qualquer estação da vida.
Pois bem, lendo e refletindo em causa própria sobre as dores e as delícias desse novo ciclo, encontrei a sabedoria do escritor José Luiz Richetti. Vale apreciar o bálsamo que traz cada palavra:
“Há um silêncio que chega com os anos, e ele não é feito apenas da ausência de ruídos, mas da transição suave entre o que éramos e o que nos tornamos. Aos 60, percebe-se que a presença muda. As vozes que antes pediam opinião agora seguem seus próprios caminhos. Aos 65, descobre-se que a vida profissional, antes tão essencial, é apenas um fluxo contínuo, que não exige mais provas, mas sim a chance de ensinar, compartilhar e inspirar. Aos 70, a verdadeira identidade não está no passado, mas no presente, e os amigos que permanecem são diamantes preciosos… E então, ao chegar aos 80 ou 90 anos, quando a família se distancia na correria da vida, aprende-se que amor não é posse, mas liberdade. E o legado que deixamos não está nos feitos grandiosos, mas nas almas que tocamos ao longo do caminho.”
Aprofundei minha reflexão e percebi como muitos homens e mulheres deixaram um impacto duradouro na humanidade já na fase madura de suas vidas. Na literatura, encontramos exemplos como Ulisses, da mitologia grega, e Santiago, de Hemingway, em O Velho e o Mar – personagens que demonstram a força da experiência e da resiliência. Na vida real, nomes como Michelangelo, Tolstói, Churchill, Cora Coralina, Mandela, Bertha von Suttner e Papa Francisco provam que a contribuição ao mundo não tem prazo de validade. No entanto, como bem disse Richetti, o verdadeiro legado não está apenas em grandes feitos, mas na conduta digna ao longo da vida, como a velha árvore de Bilac, que dá sombra e consolo aos que padecem.
Vejo, no entanto, nestes “tempos modernos”, deste pouco admirável mundo digital, que há um imenso desafio para aqueles que já escalamos algumas montanhas da vida e que, a despeito das naturais limitações, adquirimos um olhar mais livre e uma visão mais ampla da condição humana. Não falo apenas da adaptação às boas tecnologias, essenciais para se viver melhor. Refiro-me também ao contexto das múltiplas crises que nos têm imposto um mal-estar social no qual aflora um verdadeiro coquetel de desumanização – hiperconectividade, intolerância, desinformação, ressentimento, individualismo –, tensionando, além da conta, a convivência em sociedade. Que possamos estar à altura deste momento, semeando aquilo que de melhor conquistamos na caminhada: lucidez, temperança, serenidade, bom senso, juízo, coragem.
Quando minhas filhas completaram 15 anos, escrevi-lhes uma mensagem com algumas memórias e conselhos. Concluí, como faço agora, evocando Constâncio C. Vigil, em uma verdadeira ode ao tempo, este senhor de tantas razões:
“O tempo, como o vento, seca as lágrimas; como a água, tudo dissolve; como o fogo, reduz as coisas a cinzas; como o sol, tudo esclarece. Ilumina o confuso, descobre o recôndito, encontra o perdido, propicia a tolerância, reconcilia os inimigos, cega e confunde os ambiciosos, abate o orgulho, extingue as ilusões, dá conformidade. Quem se opõe a ele fracassa; quem o aguarda torna-se poderoso; quem o toma como aliado estabelece comércio com a sabedoria.”
Valdecir Pascoal – Presidente do TCE-PE
*Artigo publicado na edição de março/2025 da Revista 60+