Mais um pleito realizado e as instituições que compõem e sustentam o Estado Democrático de Direito são abundantemente demandadas em suas atribuições. Muito trabalho no Ministério Público, no Poder Judiciário e, claro, nos 34 Tribunais de Contas do Brasil.
O período de registro de candidaturas e impugnações trouxe sombra à luz da chamada “Lei da Ficha Limpa”. Aliás, trouxe chuva. Choveram liminares nas Cortes de Contas. Respeitando o equilíbrio natural de tudo o que existe, não é possível olvidar-se dos fatos – ao lado das leis que fundamentam o Direito – e deixar encerrar essa ‘temporada’ sem qualquer manifestação. É claro que, como parte no processo, essa manifestação não tem o menor propósito de ser imparcial e não será, porque não se ousa ficar neste momento na contramão do que a sociedade tanto almejou – e por fim alcançou – com a aprovação da Lei 135/2010 e a declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo.
A pluralidade de pensamentos e a diferença de fundamentos são essenciais à Democracia e ao equilíbrio natural dos Poderes. O consenso decisório, muitas vezes necessário às instituições, perpassa pelo caminho do debate. Diz-se isso para deixar claro o respeito à diversidade decisória. Isso não motiva, porém, a aceitar teses lançadas por candidatos de todo o Brasil, diante do novo cenário eleitoral desenhado pelas mãos da sociedade, titular nata dos Poderes constituídos.
O fato é que centenas – ou até milhares – de ações cautelares foram ajuizadas em todo o País, com o objetivo de suspender decisões dos Tribunais de Contas e, assim, garantir o registro das candidaturas. Quem milita no Direito sabe que a ordem cautelar só deve ser concedida se presente a fumaça do bom direito ou haja risco de demora da tutela judicial. Pois bem, em se tratando da pretensão de se concorrer a cargo público, levanta-se a seguinte questão: esse risco de lentidão da ação judicial deve tutelar o direito do candidato em concorrer às eleições, ou deve tutelar o direito do cidadão em não correr o risco de eleger um candidato ficha suja?
Diante do novo cenário escolhido pela sociedade com aprovação da Lei 135/2012, fica-se com a segunda opção, negando o direito individual e albergando o interesse público para não ver agente público, já com contas julgadas irregulares, administrando bens públicos novamente. A administração pública não comporta mais amadorismo e a reeleição serve para premiar os bons e não se fazer correspondente à repetência escolar.
O Direito é a ciência das alegações, das teses e das antíteses. Contudo, quando o erário é o objeto, ou, nesses casos, o objetivo, há de ser renovada a aplicação da supremacia do interesse público ao do particular e fazer valer a força atribuída aos organismos de controle pelo Poder Constituinte, o Poder da Sociedade. É inadmissível que gestores de outrora, com contas julgadas irregulares no passado, possam alcançar ordens judiciais precárias, para registrar suas candidaturas, desconsiderando todo o rito de um longo processo de contas, com direito ao contraditório e à ampla defesa, inclusive instrumentos recursais.
Estando agora na presidência do Instituto Rui Barbosa, pode-se afirmar que os Tribunais de Contas caminham a passos largos para a abertura, transparência e modernização de suas funções, considerando sua essencial participação no Estado Brasileiro. Ademais, ao colocarmos na balança o periculum in mora, entende-se que o interesse a ser protegido nos presentes casos é o interesse público, já que a cassação de mandato de candidato “ficha suja” eleito é uma hipótese real. Acredita-se no exercício limítrofe e harmonizado das funções atribuídas ao Poder Judiciário e ao Tribunal de Contas pela mesma Carta Mãe. Só assim podemos vislumbrar a renovação do Espírito Republicano para os futuros pleitos eleitorais. Que a motivação seja sempre, portanto, o cuidado com a coisa pública.
Conselheiro Severiano Costandrade
Presidente do Instituto Rui Barbosa (IRB) e presidente do TCE-TO