Valdecir Pascoal
Aqui mesmo neste espaço do JC, em 2019, escrevi sobre o tema da ordem cronológica dos pagamentos públicos, uma regra prevista, desde 1993, na Lei de Licitações (Lei 8.666/93). Permita-me, caro leitor, transcrever a íntegra daquela reflexão, ainda atual, para, em seguida, anunciar os aprimoramentos sobre o tema trazidos pela nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/21) e pelo TCE-PE, por meio da novíssima Resolução 244/24.
Disse eu em 2019:
PASSADO: Luís Gomes, sertão do Rio Grande do Norte, anos 70, na farmácia do meu pai. Foi nesse cenário que, ainda menino, aprendi o significado de honrar a palavra, de “assinar com o fio do bigode” e selar compromissos com aperto de mãos, costumes que traduziam confiança e credibilidade. Ali, eu testemunhei que os menores preços, os maiores descontos e o fiado mais longevo estavam reservados àqueles que cumpriam fielmente o prometido. O inverso da moeda eu também via quando o meu pai, na condição de cliente, comprava os medicamentos e se esforçava para pagar à vista ou para não atrasar as faturas. Resultado: ele conquistou um conceito que lhe garantia respeito e condições especiais no comércio.
PRESENTE: Hoje, um dos grandes desafios do setor público brasileiro é cumprir a regra que estabelece a ordem cronológica dos pagamentos decorrentes de contratos de obras, fornecimento de bens, locações e prestação de serviços. Eles representam uma proporção relevante do orçamento público, impulsionam o setor privado e dinamizam a economia. Ao tratar de dinheiro público, é dever do gestor aplicá-lo à luz da legalidade, moralidade, eficiência, economicidade e impessoalidade.
Há outras nuances. Enquanto a execução do orçamento acontece ao longo do ano, as fontes de receitas, como os impostos, não ingressam de uma só vez nos cofres públicos, daí a necessidade de uma programação financeira dos pagamentos segundo um critério objetivo e justo. Em regra, quem faz ou entrega primeiro deve receber primeiro o pagamento. Alterações dessa ordem só em casos excepcionais, a bem do interesse público. Essa obrigação da gestão tem, ainda, a valiosa virtude de propiciar economia ao erário (com pagamentos corretos, os preços tendem a baixar) e de servir como vacina ética contra privilégios indevidos, que, em alguns casos, carregam a nódoa da corrupção.
FUTURO: Prenúncio de novas luzes. Acolhendo sugestão da Atricon, o projeto de revisão da Lei de Licitações, aprovado na Câmara (PL 1.292/95), passa a exigir a divulgação da ordem dos credores no portal de transparência de cada órgão público, além de reforçar o papel dos órgãos de controle. A propósito, antecipando-se a esse cenário, desde 2015 o TCE-PE publica, em seu portal, a ordem dos seus pagamentos.
Em tempos de integridade e do clamor cidadão por ética e eficiência nos serviços públicos e privados, não podemos esquecer o exemplo de nossos pais e avós, para quem a palavra empenhada era sinônimo de segurança, responsabilidade e crédito na praça. Nessa matéria, tempo é ouro e ordem é progresso.
Volto a 2024:
Pois aquele futuro imaginado no meu texto de 2019 é hoje uma realidade. O projeto virou a nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/21, art. 141) e, de fato, aprimorou o antigo regramento, passando a obrigar, além da observância da ordem, a máxima transparência das listas de credores da administração. Não basta a gestão seguir a ordem; é preciso agora demonstrar para a sociedade, o Controle Interno e o Tribunal de Contas que a ordem está sendo observada e expor os motivos que, circunstancialmente, levaram os governos a “pularem a fila” em favor de algum credor por razões legítimas e de interesse público, a exemplo das situações de calamidade pública.
Como já dito, o TCE-PE, há dez anos, disponibiliza, em sua página da internet, a ordem cronológica de pagamentos do órgão. Na última quarta-feira (17/07), o Tribunal deu mais um passo, desta feita na perspectiva de sua atuação fiscalizadora, aprovando a Resolução 244/2024. Ela reforça as balizas da nova Lei de Licitações e Contratos e estabelece, entre outros pontos, que todos os órgãos públicos do Estado e dos Municípios de Pernambuco deverão utilizar sistemas informatizados para controlar a ordem cronológica dos pagamentos e divulgar mensalmente, em seus portais de transparência, as suas respectivas listas de pagamentos. Essas listas deverão conter informações detalhadas sobre cada pagamento: fonte de recurso, nome do credor, valor, data de liquidação, do pagamento e justificativa para eventuais alterações na ordem. Os Poderes e os Órgãos terão até o final de 2024 para editarem seus atos e ajustarem o seu sistema informatizado. Neste período, o TCE estará de prontidão para orientar os gestores.
Essa nova governança dos pagamentos públicos é sinônimo de justiça, compromisso ético, eficiência, economia e de efetivo estímulo à cidadania.
Valdecir Pascoal – Conselheiro-Presidente do TCE-PE
*Artigo publicado no Jornal do Commercio