Regras de Ouro
Valdecir Pascoal
Mais um dia de quarentena. A TV e os jornais nunca falaram tanto de temas do Direito Financeiro: orçamento, metas, dívida. Assisto a um caloroso debate sobre a chamada “Regra de Ouro” das finanças públicas, aquela que, grosso modo, recomenda que o Estado não deve se endividar para pagar despesas correntes (do dia a dia), mas sim para financiar investimentos que alavancam a economia. O objetivo é garantir equilíbrio, endividamento sustentável e compromisso com a justiça intergeracional. É a mesma lógica de uma família: tomar emprestado para fazer a feira do mês não é prudente. Melhor empregar os valores em um negócio gerador de renda futura. Isso, claro, em tempos normais, porque quando se está numa emergência, como a atual “guerra” em defesa da vida causada pela Covid-19, é até um dever quebrar paradigmas. O ouro passa a ser a vida e não a dívida. A Constituição já trata desses dois cenários, porém o Congresso, para conferir mais segurança, vai reforçar a exceção à regra por meio da PEC do “orçamento de guerra”.
Deixo o árido noticiário financeiro, mas ainda pensativo sobre tal regra. Olho para a parede ao lado e fixo no quadro “Regra de Ouro”, de Norman Rockwell. A marcante obra representa um encontro de homens, mulheres e crianças de diferentes raças, religiões e etnias. À frente de todos eles, está escrito o hino do que deveria ser a regra ética universal da reciprocidade humana: “Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você”. A tragédia faz a ocasião. O dobrar dos sinos plangentes mundo afora confirma que nenhum homem é uma ilha. O bater de asas da borboleta na sibéria é hoje um simples aperto de mãos em Wuhan, que traz o caos e coloca a humanidade em xeque. O silêncio das ruas clama por reflexão sobre aquela que deve ser a regra-mor das regras de ouro: a solidariedade. Confesso que as reações à crise causam-me um sentimento difícil de traduzir. Uma parte de mim vibra com os gestos de amor. Há muitos anjos-midas: médicos, enfermeiros, cientistas, garis, agricultores, vizinhos, anônimos às janelas… Outra parte de mim chora ao ver ressurgirem obscurantismos e cercas embandeiradas que separam quintais. Mundo desamante. Lembro de Bilac: “Não és bom, nem és mau: és triste e humano”.
Conta a lenda irlandesa que há um pote de ouro no fim do arco-íris. Na dúvida se ele tem mesmo fim, e antes de aperrear Deus com problemas criados por nós, resta ir a fundo na Caixa de Pandora. Lá pode ter revolução: viver, conviver… esperançar.
PS: Nestes dias em que a terra parou, vale ouvir “Ouro de Tolo” (R. Seixas).
Valdecir Pascoal – Conselheiro e Diretor da Escola do TCE-PE.