Remédio amargo

Crianças preferem doces coloridos a remédios amargos. Eleitores costumam ser tratados como crianças que preferem boas notícias e belas promessas em vez de análises realistas e medidas austeras. Todavia, enquanto os pais podem usar de autoridade para impor os remédios indispensáveis a seus filhos, na democracia os líderes devem convencer a maioria dos cidadãos que por vezes sacrifícios são necessários e preferíveis a benefícios irresponsáveis.
Conhecimento dos problemas brasileiros e locais, muitos possuem; capacidade para enfrentá-los, alguns; coragem para fazê-lo, poucos. Eis o fosso que separa os estadistas dos demagogos. Eis o que distingue aqueles que serão reverenciados por sucessivas gerações daqueles que, após sucessos fugazes, serão olvidados como páginas viradas, opacas e estéreis. Os Estados Unidos tiveram 22 presidentes no século XIX, mas são lembrados apenas Jefferson, Madison e Lincoln.
Não há dúvida que o Brasil precisa de alguns remédios amargos. Haverá líderes capazes de construir maiorias dizendo a verdade?
Sem pretender ser original ou exaustivo, cito alguns remédios amargos que precisam ser ministrados.
A questão previdenciária tem que ser enfrentada. A população brasileira está envelhecendo e aumentando sua expectativa de vida. Os gastos previdenciários são crescentes e as contribuições da população ativa não serão capazes de suportar os benefícios pagos aos inativos. Como em muitos outros países, é preciso elevar a idade mínima para aposentadoria, tanto no setor público como no privado. Deverá também ser estabelecida igualdade entre os gêneros quanto aos requisitos para aposentadoria. Regras de transição devem ser fixadas, mas quanto mais tarde as decisões forem tomadas, mais grave se tornará o problema.
A estrutura tributária brasileira é fonte de desigualdade, na medida em que privilegia impostos indiretos como ICMS e ISS, cujas alíquotas não distinguem classes sociais. Diversos estudos demonstram que a carga tributária real é maior para os indivíduos mais pobres. Há que privilegiar a arrecadação de impostos diretos, especialmente sobre o patrimônio e heranças, estabelecendo alíquotas compatíveis com as nações mais desenvolvidas. No entanto, tais impostos doem mais nos bolsos das pessoas influentes, ao passo que os indiretos são praticamente invisíveis, embutidos nos preços pagos pelas mercadorias e serviços.
Há que se reformar a equação dos gastos com saúde e educação. Os planos de saúde privados não ressarcem a rede pública do atendimento prestado a seus clientes. As melhores universidades públicas são gratuitas para estudantes de classe média alta que têm condições de pagar as mesmas mensalidades que pagaram nas melhores escolas privadas de ensino médio. Tais recursos propiciariam melhores condições no primeiro caso para o atendimento emergencial e no segundo para o pagamento de bolsas a estudantes necessitados.
Há muitos outros tabus a serem questionados, como a exigência de que documentos banais precisem de registro ou autenticação em cartório, fazendo dessa atividade uma das mais lucrativas do país, sem similar no planeta. O aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e da eficiência na gestão, visando melhores resultados nas políticas públicas, é outro tema que deveria estar na pauta.
E claro que também há necessidade de mudar profundamente o vigente sistema eleitoral, que gera fragmentação partidária, campanhas despolitizadas, coalizões invertebradas e maiorias gelatinosas.
Todavia, dificilmente veremos tais questões ser objeto de debate na arena política. Só de mencioná-las um cidadão desavisado arriscar-se-ia a perder expressiva parcela de simpatizantes e apoiadores. Tenho a impressão de que assistiremos muitas promessas de crescimento econômico, novos investimentos em infraestrutura e ampliação de gastos em políticas sociais. Até quando seremos tratados como crianças cuja simpatia se conquista com doces coloridos?
* Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

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