Supremo Acerto de Contas (Parte 3)

Hoje, os principais trechos do terceiro capítulo do ensaio “Supremo Acerto de Contas: a hermenêutica constitucional que consolida os Tribunais de Contas como guardiões da República”.

O MODELO FEDERATIVO DE CONTROLE EXTERNO

A CF de 1988 conferiu um destaque especial às competências e à composição dos Tribunais de Contas, ao longo dos seus artigos 31, 70 a 75. O artigo 70 estabelece o alcance do poder fiscalizador desses órgãos. O artigo 71 é o núcleo das suas competências constitucionais. Eis as principais atribuições: (a) emitir parecer prévio sobre as contas de governo do Chefe do Poder Executivo; (b) julgar as contas de gestão dos demais administradores de recursos públicos; (c) aplicar sanções e determinar ressarcimentos em casos de dano ao erário. O artigo 73 dispõe sobre as formas e os critérios de composição dos Tribunais.

Analisando a literalidade dos artigos 70 a 74, vê-se que a Lei Maior trata especificamente do Tribunal de Contas da União (TCU), cujo poder fiscalizador alcança a aplicação de recursos federais pelo governo federal, em regra, mas também pelos demais governos estaduais e municipais quando estes aplicam recursos transferidos voluntariamente pelo governo federal. Nada obstante, o artigo 75 determina que todas aquelas competências, forma de composição e organização, além do alcance do controle, devem ser observadas, no que couber, em relação aos Tribunais de Contas dos Estados, do DF e dos Municípios.

Portanto, as regras assinaladas na CF, em matéria de modelo de controle externo, inserem-se nas chamadas “normas de reprodução obrigatória”, sendo, pois, um modelo jurídico cogente, a ser obrigatoriamente observado pelos ordenamentos jurídicos estadual, distrital e municipal. Conclui-se que as competências dos Tribunais de Contas dos Estados, DF e dos Municípios encontram fundamento de validade também na própria Constituição Federal, sendo, ao fim e ao cabo, semelhantes àquelas conferidas ao TCU, mudando-se tão somente a jurisdição.

Com efeito, aos Parlamentos estadual, distrital e municipal restaram muito pouco em matéria de legislar sobre o modelo de controle externo. Sem poder acrescer qualquer competência nova, eles devem se limitar a adequar os dispositivos da Lei Maior à estrutura administrativa e institucional do Estado, do DF e dos Municípios. Logo, se determinada Constituição Estadual ou Lei Orgânica de Município estabelecer competências para os seus Tribunais de Contas além ou aquém do modelo delineado na Constituição Federal, esse dispositivo será inconstitucional.

Nestes 34 anos de vigência do atual ordenamento jurídico, não foram poucas as ocasiões em que o STF foi chamado a garantir a máxima efetividade da aplicação do modelo de controle externo no âmbito dos demais entes federativos. A maioria das ações que culminaram com deliberações do STF em relação ao modelo de controle dizem respeito a tentativas do legislador estadual, seja por meio de dispositivos presentes nas Constituições Estaduais ou em outras leis locais, de subtrair ou mitigar competências dos Tribunais estaduais.

O precedente abaixo reflete a essência da firme Jurisprudência do STF sobre a questão: “O art. 75, caput, da Constituição da República contempla comando expresso de espelhamento obrigatório, nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, do modelo nela estabelecido de controle externo da higidez contábil, financeira e orçamentária dos atos administrativos, sendo materialmente inconstitucional a norma de regência da organização ou funcionamento de Tribunal de Contas estadual divorciada do modelo federal de controle externo das contas públicas”. (ADI 5323-RN. 2019. Rel. Min. Rosa Weber).

Esclareça-se, por fim, que, a despeito de o modelo de controle externo federal ser de observância obrigatória pelos demais entes federados, não existe qualquer vinculação entre o TCU e os demais Tribunais de Contas da federação, tanto no aspecto de subordinação administrativa, quanto no aspecto processual. Cada qual atua no limite de sua autonomia e jurisdição, observando, como regra de competência, a origem dos recursos. Uma decisão tomada por um Tribunal de Contas de Estado, por exemplo, não pode ser alterada pelo TCU.

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE