Supremo Acerto de Contas (Parte 4)

A seguir, os principais trechos do capítulo 4 do ensaio “Supremo Acerto de Contas: a hermenêutica constitucional que consolida os Tribunais de Contas como guardiões da República”.

O DEVIDO PROCESSO LEGAL DE CONTROLE EXTERNO

Todas as decisões dos Tribunais de Contas – pareceres prévios sobre contas de Chefe do Poder Executivo, julgamento de contas dos demais agentes que aplicam dinheiro público, apreciação da legalidade de atos de pessoal ou de aposentadorias, adoção de medidas cautelares –, na medida em que se concretizam por meio de um processo dialético em que, no mais das vezes, são apontados, no curso de auditorias e inspeções, indícios de irregularidades em atos de governo e de gestão, hão de observar a cláusula constitucional do devido processo legal.

À luz do que preceitua a Constituição, em seu artigo 5º, LIV e LV, respectivamente, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados, em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

É comum inserirem o processo de controle externo no âmbito, ou como espécie, de processo administrativo, para diferenciá-los do processo judicial ou legislativo.  É esse, por exemplo, o entendimento de Hely Lopes Meirelles, que denomina de processo administrativo de controle aquele em que a Administração realiza verificações e declara situação, direito, conduta do administrado ou servidor, com caráter vinculante para as partes. Quando neles se deparam irregularidades puníveis, exige-se, para a inteireza do processo, o contraditório e a ampla defesa.

Nada obstante, ganha relevo, a cada dia, uma posição que compreende o processo de controle externo como um processo peculiar e especial.  Ayres Britto afirma que “os processos instaurados pelos Tribunais de Contas têm sua própria ontologia. São processos de contas, e não processos parlamentares, nem judiciais, nem administrativos”.

Com efeito, não há como pensar na efetividade das decisões dos Tribunais de Contas sem o respeito ao princípio do devido processo legal. Além de ser fundamental para a qualidade e a justeza da decisão final do órgão de controle, sua inobservância enseja a nulidade do processo, retirando-lhe a efetividade.

Logo, deverão as leis orgânicas dos Tribunais de Contas estabelecer as normas pertinentes à instrução dos processos pelo segmento da auditoria (composta por um quadro de servidores concursados e dotados de independência funcional), prazos para defesa, modalidades de recursos perante o Tribunal, o papel do Parquet de Contas. Esse regramento próprio não afasta a aplicação subsidiária das leis de processo administrativo e do CPC. Ademais, o processo de controle externo para ser legal, devido e  justo, entre outros atributos éticos, precisa levar em conta a imparcialidade do julgador.

A obrigação de os Tribunais de Contas seguirem os postulados do devido processo legal vem sendo ratificada reiteradamente pelo STF. Emblemática essa passagem  do MS 23.550:

– “Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a produção de provas; de outro lado, se se impõe a garantia do devido processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de controle do Tribunal de Contas, de colorido quase-jurisdicional. A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (L. 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a ‘ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente’. A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão”.

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE