Transição e governança pública*
* Publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo e em Folha Uol.
“A boa gestão pode esbarrar na inexperiência, mas também no desconhecido”.
Considerar que uma transição bem executada pode repercutir favoravelmente na gestão que se inicia não é excessivo. O contrário também é verdade. Para assumir os destinos de uma cidade, o prefeito precisa conhecer profundamente a realidade do município. Não apenas aquilo que as ruas lhe mostraram durante a campanha eleitoral, embora este seja um excelente retrato. Se se deteve com atenção às queixas da população, muito provavelmente, ele conhecerá algumas pontuais demandas.
Mas a governança é um estado contínuo. As responsabilidades de quem deixa o cargo e daquele prestes a assumi-lo são equitativas. É preciso compreender que o mandato não se extingue com a conclusão do processo eleitoral. O prefeito só conclui a gestão quando facilita a transferência de informações de dados, quando deixa demonstradas as execuções fiscal, financeira, orçamentária, patrimonial.
Os processos de transição, previstos em normas municipais, facilitam o ‘choque de realidade’, que o novo prefeito precisa enfrentar. O desejo de uma boa gestão pode esbarrar na falta de experiência, mas, também, no desconhecido. Um aprofundamento, sobre todos os aspectos, da administração que se encerra é determinante para o êxito administrativo.
O trabalho de uma comissão de transição é tão exaustivo, quanto fundamental; requer transparência e boa vontade de quem deixa o cargo e o mais absoluto interesse de quem o está assumindo.
Sobretudo, quando a pandemia da Covid-19 agravou a crise socioeconômica, elevando as demandas sociais a níveis preocupantes, será preciso driblar a escassez de recursos, com perspicácia, sabedoria e, principalmente, ouvindo a sociedade. Para estabelecer prioridades, elencar emergências, enfim, enfrentar todos os grandes problemas, que ainda advirão dessa situação, é preciso conhecer.
Enquanto esses procedimentos de transição se desenvolvem, os Tribunais de Contas elevam o seu estado habitual de atenção. A grande maioria das Cortes edita normas técnicas de facilitação do processo; outros promovem cursos; oferecem assessoria. Enfim, neste momento, o papel pedagógico do Controle Externo ganha relevância.
Um aspecto ilustrativo, ou sintomático, de uma transição não executada, foi encontrado em um estudo recente do Sistema Tribunais de Contas, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, sobre as grandes obras paralisadas. O diagnóstico aponta o abandono como uma das principais razões para a paralisação do serviço, o que sugere o desinteresse de uma gestão com sua antecedente, em que pesem os prejuízos causados. Além do descompromisso com a continuidade administrativa, um grave dano ao erário é gerado em comportamentos dessa natureza.
Não são apenas obras, serviços, ações interrompidas. O interesse da cidadania, também, é deixado à margem. Por isto, estamos mobilizando os Tribunais de Contas, em uma iniciativa de reforço ao já rotineiramente previsto, para que recomendem aos jurisdicionados a observância estrita daquilo que as normas determinam, para que cumpram o princípio republicano mais elementar: o respeito aos cidadãos brasileiros.
Fábio Túlio Filgueiras Nogueira – Presidente da Atricon