AtriConversa-04

Nº 004/2022
Data: 27-06-2022


Marco de Medição dos
Tribunais de Contas: ambição pela
excelência do Controle Externo

O Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC) é um dos principais projetos desenvolvidos pela Atricon com o apoio dos 33 Tribunais de Contas brasileiros. Com o objetivo de estimular o contínuo processo de aperfeiçoamento dos métodos utilizados pelos órgãos de controle na análise das ações de governo, o MMD-TC avalia as práticas administrativas e fiscalizatórias dos órgãos de controle, permitindo que cada instituição possa identificar e corrigir eventuais deficiências. O projeto é coordenado pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES), Sebastião Carlos Ranna de Macedo.

Nesta edição do Atriconversas, Ranna de Macedo detalha a história do Marco de Medicação, sua evolução ao longo de quase uma década e as perspectivas para o futuro do controle externo a partir da ferramenta.

Antes, o leitor conhecerá a trajetória profissional do coordenador do projeto e compreenderá as razões para o sucesso da iniciativa, considerando-se o espírito público de um servidor acostumado a cumprir missões em condições adversas.

Do manche, ao papel

Carlos Ranna começou sua vida profissional na Força Aérea Brasileira, onde atuou entre 1979 e 1994. Depois de realizar o curso da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena (MG), cursou a Academia da Força Aérea de Pirassununga (SP), onde se formou oficial aviador.

Conheceu o Brasil inteiro, passando por Natal (RN), pela Base Aérea de Santos (SP), onde fez curso de piloto de helicóptero, e foi  trabalhar  na Base Aérea

“Saí da Força Aérea.
Deixei o manche do avião, deixei a bússola,
e vim pilotar papel.
A minha bússola passou a ser a Constituição Federal
e as leis.”

de Campo Grande (MS), na área de busca e salvamento. Fazia missões de resgate, procurava aviões que se perdiam, desapareciam, caíam. Trabalhou também, por dois anos, na Amazônia.

De avião e de helicóptero, participou de missões com Polícia Federal, Exército, Ibama e Funai. Entre as atividades, levar medicamentos, médicos e enfermeiros a muitas tribos indígenas isoladas. “Voei em um avião que gostava muito, que é o Tucano, da Esquadrilha da Fumaça. Fazia acrobacias aéreas”, relembrou com entusiasmo durante a entrevista.

Em meados dos anos de 1990, Ranna pediu autorização para o Ministro da Aeronáutica para fazer vestibular para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), passou e cursou engenharia. Foi o início de uma mudança de rumos. Depois, surgiu a oportunidade de fazer concurso para o Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCE-ES). “Saí da Força Aérea. Deixei o manche do avião, deixei a bússola, e vim pilotar papel. A minha bússola passou a ser a Constituição Federal e as leis”, descreve.

Em 1995, ocupou o cargo de analista de finanças públicas (atual cargo de auditor de controle externo) no TCE-ES. Em 2001, passou no concurso de auditor substituto de conselheiro, tomando posse no ano seguinte. Ranna ainda teve uma experiência no governo do Estado: foi auditor-geral do Estado, por cinco anos; e, durante quatro anos, acumulou também a função de ouvidor-geral do Estado. “Foi uma experiência muito rica. Aprendi muito. Estar do outro lado do balcão, ver como as coisas acontecem, conhecer o drama do gestor. Quando me despedi, conheci, citando o poeta: “A dor e a delícia de ser gestor público”.

Ao retornar para o TCE-ES, pouco tempo depois surgiu vaga de conselheiro. Ficou na lista tríplice e foi escolhido depois de longa sabatina na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Em 10 de outubro de 2008, tomou posse como conselheiro.

Desde então, Ranna ocupou diversas funções no âmbito do Sistema Tribunais de Contas do Brasil e no TCE-ES. Em 2008, participou pela primeira vez do Instituto Rui Barbosa (IRB), com o conselheiro Severiano Costa Andrade, presidente do IRB naquela oportunidade. Em 2011, foi convidado para a diretoria da Atricon, onde tem exercido, alternadamente, diretorias e a vice-presidência.

Participou de vários projetos, iniciativas e programas, entre os quais, a Rede Infocontas, que começou em 2013. “Tive a honra de coordenar o início desse projeto. Estou também à frente do programa Agilidade e Qualidade dos Tribunais de Contas e do Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC)”.

No TCE-ES, em 2010, foi eleito o primeiro corregedor da Corte. Entre 2012 e 2013, exerceu a presidência do Tribunal. Recentemente, foi ouvidor por dois mandatos. “Nossa ouvidoria atingiu nota máxima em todos os critérios e dimensões do Marco de Medição. Desenvolvemos várias ações, inclusive na pandemia. Uma experiência muito gratificante, que fizemos aqui na ouvidoria do TCE-ES, foi uma parceria com os controles internos dos municípios. No seguinte sentido: algumas demandas que, para o controle externo são pequenas, mas que para o cidadão são demandas importantes, foram resolvidas sem envolver toda aquela máquina pesada. Posso dar um exemplo: um senhor estava em tratamento médico, disponibilizado pela Secretaria Estadual de Saúde, mas não havia profissional habilitado para atendê-lo. Então, via estrutura de controle interno do Estado, conseguimos identificar essa carência, o Estado agiu, nomeou alguém  para  aquele  cargo  vago  e esse  senhor  conseguiu  ser atendido”,  relata.

O que é o MMD-TC e qual sua origem? 

O MMD-TC é uma ferramenta de avaliação, inspirada no SAI-PMF da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai). A Organização reúne mais países do que a própria ONU, mais de 200 nações. Por ser entidade de caráter multilateral, havia necessidade de ter uma ferramenta que pudesse atender às diversas culturas, seja do Ocidente, seja do Oriente, sobre entidades fiscalizadoras superiores. Não exclusivamente  Tribunais  de  Contas porque  o  modelo  é  apenas  um  dos    possíveis para  o  exercício  do  controle  externo  em  cada  país.  

“Em cada avaliação, nós identificamos as boas práticas
dos tribunais de contas.
E com base nessas boas práticas
é possível, posteriormente, compartilhá-las (…)
Ou seja, é uma ferramenta indutora de melhorias
e boas práticas que demonstra para a sociedade
o que estamos fazendo.”

Há o modelo de agências, adotado pelos EUA e Reino Unido. Há o modelo de Tribunal Administrativo, adotado, por exemplo, em Moçambique e em outros países da África. Há modelos diferentes em países da Ásia, como a China. Então, a ideia era ter uma ferramenta que pudesse avaliar, entre diversos critérios, a capacidade daquela entidade fiscalizadora de atender ao Banco Mundial, ao FMI, algumas agências multilaterais da Europa, da Ásia. A Intosai fez uma pesquisa muito grande, que envolveu mais de 20 critérios e, dentre esses critérios, foi desenvolvida essa ferramenta chamada SAI-PMF. Ela respeita a cultura de cada país e instituição, mas busca demonstrar o valor e os benefícios que o controle externo devolve para a sociedade. Então, essa é a inspiração e esse é o grande objetivo da ferramenta de fiscalização, que mede o desenvolvimento, dentro do desenvolvimento cultural e base institucional de cada país: como determinada entidade está avançando no tempo, quais são as entregas que faz, se tem estrutura mínima que permita esse atendimento e, de fato, se está sendo útil e relevante para a sociedade.

O senhor participou, desde o início, da implementação do Marco de Medição dos Tribunais de Contas. Em linhas gerais, como o MMD-TC se desenvolveu ao longo dos anos e quais os critérios avaliados ? 
 

Pegamos esse mote do SAI-PMF e adaptamos à realidade brasileira. O Brasil é um país continental e não tem apenas uma única entidade superior fiscalizadora, como em muitos países. Além do TCU, temos os Tribunais Estaduais e até de município. Então, dada a realidade complexa do Brasil, a Atricon se encarregou de fazer essa transição. É importante que se diga, cada tribunal voluntariamente faz a adesão ao programa. Começamos com um modelo-piloto, em 2013, quando participaram 22 Tribunais de Contas. Isso permitiu avançarmos. Em 2015, houve o primeiro ciclo. Em 2017, o segundo. E quando chegou em 2019, o que percebemos? Por ser uma ferramenta muito bem aceita, que oferece diagnóstico completo de cada TC, tornou-se instrumento de fomento de melhorias e redução de assimetrias, já que cada Tribunal de Contas, de cada Estado, é diferente, com suas particularidades. Não que um seja melhor do que o outro, mas são realidades diferentes. Então, conseguimos reduzir essas assimetrias. Trabalhamos, nos dois primeiros ciclos, em melhorar a estrutura dos Tribunais. Avaliando se cada instituição tinha, por exemplo, ouvidoria estruturada, corregedoria, planejamento estratégico benfeito, área  de  TI  estruturada.  Em  2019,  o  foco  mudou.

 
Qual passou a ser objetivo a partir de 2019?
 

O foco foi para as entregas. Quais são os produtos que estamos entregando para a sociedade? Estamos verificando as políticas públicas? São efetivas? Ou seja, a nossa atuação está transformando a realidade da população? A nossa atuação está melhorando a eficiência e a eficácia da aplicação dos recursos públicos? Então, em 2019, foi um ciclo de avaliação em que começamos a medir a atuação finalística de políticas públicas. O interessante é que, para cada indicador, ou temática, são feitas amplas discussões, são designados grupos de especialistas multidisciplinares, entre conselheiros, conselheiros substitutos, representantes do Ministério Público de Contas e auditores de controle externo. Esse trabalho, depois, é submetido a uma audiência pública, ou a várias audiências públicas, para que todo o Sistema (Tribunais de Contas) possa participar. Na conclusão desses trabalhos, resoluções e diretrizes são aprovadas. Cada resolução e diretriz vai dar resultado a um determinado indicador. Então, para cada indicador que é medido, há um arcabouço teórico que vai ser comparado. Só posso medir alguma coisa se tiver algum marco teórico, se tiver referencial-padrão. Essas resoluções e diretrizes servem como marco referencial. Os indicadores são divididos em dimensões, e as dimensões, em critérios. Tivemos em 2019, 25 indicadores. A ferramenta é feita para medir, em cada indicador, como está cada Tribunal de Contas e como está evoluindo. O que é mais importante: o indicador da saúde, ou o indicador de educação? O indicador de transparência, ou o indicador de governança interna? Não há como dizer, mas fazemos uma média geral dos Tribunais de Contas e divulgamos esse número. Desta maneira, cada tribunal compara a sua pontuação à média geral para saber como está posicionado. Outra questão importante também é: em cada avaliação, identificamos as boas práticas dos Tribunais. Com base nessas boas práticas, é possível, posteriormente, compartilhá-las. Se um tribunal tem alguma deficiência em determinada área, pode buscar, via Atricon, auxílio de outra Corte que seja referência naquele ponto, trocando experiências diversas: auditoria financeira, auditoria operacional, engenharia e por aí vai. Ou seja, é uma ferramenta indutora de melhorias e boas práticas que demonstra para a sociedade o que estamos fazendo.

Mesmo levando em consideração as particularidades de cada instituição, esses indicadores e trocas têm a intenção de criar padronização na atuação dos tribunais de todo Brasil?
 

Um outro objetivo da ferramenta também é esse. É justamente buscar padronização onde é possível padronizar. Posso dar um exemplo, temos leis nacionais: a Lei de Finanças Públicas, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei de Licitações. São leis de aplicação em todo território nacional. Você imagina a dificuldade de uma empresa, que atua em vários Estados, chegar no Espírito Santo, ou no Rio Grande do Sul, e um Tribunal de Contas entender e aplicar a regra, ou artigos de uma lei, de uma maneira; enquanto outro eventualmente compreende a mesma norma de forma diferente? Então, buscamos também padronização onde é possível padronizar, respeitadas as particularidades de cada tribunal e a cultura organizacional. Vou dar um exemplo de sucesso: com o advento da Lei Complementar Nº 123/2006, das micro e pequenas empresas, havia a necessidade de garantir a segurança jurídica para os prefeitos contratarem de empreendimentos locais, mas eles não tinham essa tranquilidade. Na época, o Sebrae Nacional procurou a Atricon e firmamos termo de cooperação técnica. A partir disso, de apenas duas ou três centenas de municípios que aplicavam a lei, esse número passou para 2 mil. Ou seja, melhorando o comércio local, gerando emprego e renda, aumentando a arrecadação de impostos e tributos para os municípios. Outro exemplo: a OAB Nacional nos procurou para que fosse garantida a ordem cronológica de pagamentos conforme está previsto no artigo 5º da Lei Nº 8.666/1993. Então, incluímos no Marco de Medição esse critério: se os Tribunais estavam fiscalizando a aplicação da ordem cronológica. Isso gerou efeito indutor fenomenal. Conclusão: utilizamos essa ferramenta (MMD-TC) para fomentar boas práticas e até melhorar a transparência da gestão pública.

Qual é o momento atual do MMD-TC e quais as próximas etapas?
 

Depois do ciclo de 2019, veio a pandemia no início de 2020. Não só os tribunais, não só os Estados e Municípios, mas o mundo inteiro teve de se preparar e se reprogramar para o enfrentamento da pandemia. Então, para o ciclo que seria em 2021 (os ciclos são bienais), tivemos de adiar para 2022, excepcionalmente. E como houve forte atuação de fiscalização da aplicação de recursos e de procedimentos durante a pandemia – vamos lembrar que foram editadas várias leis, entre as quais a Lei Complementar Nº 173/2020, um verdadeiro estatuto de como se comportar na pandemia –, levamos essa questão para a diretoria e assembleia geral da Atricon, onde foram aprovados indicadores específicos para medir os Tribunais de Contas durante a pandemia. Isso sem renunciar aos outros indicadores, até para manter uma linha histórica, para conseguirmos comparar com os ciclos anteriores. Em 2019, foram 499 critérios avaliados. Em 2020, tivemos de suspender a avaliação de alguns indicadores, e incluímos cinco novos. Um deles especificamente para medir a atuação na área de educação durante a pandemia: como foi o momento de suspensão das aulas, o suporte dado à educação remota e depois o retorno às aulas presenciais. Um indicador específico da saúde: como os Tribunais avaliaram as contratações, compras, instalações de hospitais de campanha, vacinação etc. Um indicador específico sobre a gestão fiscal: como Estados e Municípios aplicaram uma montanha de recursos no combate à pandemia. Também um outro indicador sobre a transparência e, por fim, um indicador de assistências social, fiscalizando o fornecimento de auxílios emergenciais nesse período. Então, para 2022, reduzimos para 402 critérios, sendo que 85 são específicos sobre a pandemia, e 317 mantidos para comparação histórica. Revisamos agora todo o manual de procedimentos, fizemos treinamento com as equipes de avaliação que são três: uma equipe de autoavaliação, de servidores do próprio órgão; outra que faz o controle de qualidade dessa autoavaliação, também do próprio órgão; e uma terceira equipe, que chamamos de garantia da qualidade, formada por conselheiros, conselheiros substitutos e auditores de outros Tribunais de Contas que fazem as visitas pré-programadas para verificar se as duas primeiras etapas atenderam aos critérios de qualidade. Em agosto e setembro, serão feitas visitas técnicas para verificar in loco a execução do trabalho. Entre outubro e novembro, será feita a consolidação e a apresentação desses resultados. É importante dizer que essa metodologia está sendo acompanhada pela Fundação Vanzolini, a certificadora que vai atestar se o nosso procedimento está sendo bem cumprido com as orientações internacionais.

 

 

 

Entrevista: Matheus Giglio.
Edição: Priscila Oliveira.
Webdesigner: Márcia Vecchio.