A César o que é de César

Dai, sem repúdio, a César o que é de César

Inaldo da Paixão Santos Araújo

Mestre em Contabilidade. Conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado. Professor. Escritor.

Inaldo_paixao@hotmail.com

Nesses estranhos tempos estranhos em que há tanto a se repudiar, principalmente em face do sofrimento da população brasileira, há aqueles que pregam em caminhos tortuosos e distorcidos. Interessante a ambiguidade do ser humano. Por vezes aplaudem o que não é digno de aplauso e repudiam o que deveria ser aclamado.

O Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), segunda Casa de Controle subnacional mais antiga do país, sempre foi reconhecido por sua conduta ilibada, pelo aprimoramento constante de suas práticas de auditoria, pela capacitação continuada do seu corpo técnico multidisciplinar e pelo compromisso de bem cuidar daquilo que ao povo pertence. Não por outra razão é credenciado por organismos internacionais, desde 1988, para realização de trabalhos auditoriais.

Fiel a esse compromisso o TCE/BA, desde 1991, por imposição constitucional e legal, em uma interpretação histórica, sistemática e abrangente, substitui, eventualmente, seus conselheiros por auditores que fazem parte do seu quadro. Mas, se contra fatos não há argumentos, vamos aos fatos.

A Carta Maior de 1988 estabeleceu que o auditor, quando em substituição a Ministro (Conselheiro nos Estados), terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz do Tribunal Regional Federal (art. 73, §4º). E só! Não por outro motivo, o Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Brito afirmou que “A Constituição Federal faz do cargo de auditor um cargo de existência necessária, porque, quando ela se refere nominalmente a um cargo, está dizendo que faz parte, necessariamente, da ossatura do Estado […]”

Mas se é sabido que foi com o advento da Constituição Cidadã que o cargo de auditor dos Tribunais de Contas passou a ter envergadura constitucional, também o é o fato de que não foi a Carta de 1988 que criou esse mesmo cargo.

Constata-se em análise, ainda que aligeirada, que o Constituinte não criou o cargo de auditor, tampouco estabeleceu um quantitativo mínimo ou máximo para vagas nesse quadro. Apenas atribuiu a esse cargo a competência de substituir Ministros, dando-lhe guarida constitucional.

Sem embargo, auditores já substituíam Ministros de Tribunais de Contas com base em legislação infraconstitucional. À guisa de exemplo, tem-se a Lei nº 830, de 23/09/1949, que reorganizou o Tribunal de Contas da União, a qual em seu art. 11 definia que “Os Ministros são substituídos, nas suas faltas e impedimentos, pelos auditores, observada a ordem de antigüidade dêste.”

Na Bahia, de tantos bons exemplos, a Lei Orgânica do TCE/BA (Lei Estadual nº 2.431, de 27/02/1967), em seu art. 12, definiu que ” Os Ministros são substituídos, nas faltas e impedimentos, por Auditores dos quadros do serviço público estadual ou funcionários que possuam a qualificação do art. 6º desta Lei”. Auditores esses, aliás, que desde 1961 já faziam parte da estrutura orgânica da Corte de Auditoria baiana.

De igual modo, a Lei Estadual nº 2.838, de 17/09/1970, que criou o Conselho de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, estabeleceu em seu art. 17 que “Os Membros do Conselho serão substituídos, enquanto não forem preenchidas as suas vagas, bem como nos casos de faltas ou impedimentos, por Auditores.”

Com a nova ordem constitucional, a Lei Complementar Estadual nº 05, de 04/12/1991, estabeleceu em seu art. 57 que os conselheiros do TCE/BA são substituídos em suas licenças, férias e impedimentos, temporariamente, pelos auditores.

Todavia, para a substituição, devem ser observadas as seguintes qualificações: maiores de 35 anos, domiciliados no Estado, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública.

Daí o motivo pelo qual os auditores do TCE/BA, com base em regras consagradas constitucional e legalmente, passaram a substituir os conselheiros, observando-se critérios definidos e que perduram por quase 30 anos.

Portanto, a bem da verdade e da justiça, o que poder-se-ia ser debatido hoje é se os auditores do TCE/BA foram ou não recepcionados pela Carta Maior. Registre-se, de logo, que essa discussão seria até despicienda, já que não ocorreu no âmbito do TCU, pois os auditores que ali ingressaram antes de 1988, até as respectivas aposentadorias, exerceram, após a Constituição Cidadã, a função constitucional de substituir Ministros. Mas enquanto a Suprema Corte não der o seu veredito – ou seja, enquanto “Roma”não falar sepultando a causa -, que se cumpra a lei, dando a cada um o seu direito.

É oportuno lembrar que, como está escrito no Texto Sagrado, deve-se dar “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus “ (Mc 12,13-17), pois o resto, com ou sem repúdio, é história, sem estar pautada em fatos, contada pelos próprios fariseus e herodianos.

Mas não se deve esmorecer, porque como descrito no exórdio do Sermão de Santo Antônio aos Peixes, de Padre Antônio Vieira, todos nós somos “o sal da Terra”, e, se o mal reina, há responsáveis.

Há a responsabilidade do sal (pregadores), dos que “não pregam a verdadeira doutrina, ou porque dizem uma coisa e fazem outra, ou porque se pregam a si e não a Cristo”.

Também existe responsabilidade da terra (ouvintes), dos que “não querem receber a doutrina, ou antes imitam os pregadores e não o que eles dizem, ou porque servem os seus apetites e não os de Cristo”.

Mas se não houver, em arremate, alguém para ler e entender o que aqui foi escrito, pautado nos ensinamentos do Sermão, faz-se como Santo Antônio, em Arimino, Itália, e “deixa as praças, vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes”.

De mais a mais, em tempos de tantas reformas propostas, por que não se discutir também mais uma reforma? Qual seria a composição ideal para os Tribunais de Contas? A que concede benesses irrazoáveis e aumenta seus próprios custos ou a que em prol do cidadão cuida devidamente dos gastos públicos?

O que cabe a nós, integrantes dos Tribunais de Contas, repudiar ou ser instrumento da verdadeira e necessária mudança?

À sociedade, sim, cabe o repúdio. Por isso entendo que você, cidadão, como tenho dito, aqui e alhures, deve se informar e conhecer essa Instituição de Auditoria da qual ora se fala. A você, sim, cabe repudiar o que entenda ser um grande equívoco, fazendo a sua voz ecoar.