A omissão no Congresso

Chega a ser lugar comum reclamar do estado de letargia do Congresso Nacional. Essa incapacidade de responder aos sentimentos e reclames da nossa sociedade tem se tornado cada vez mais evidente. Mas entendo que devemos sempre nos manifestar contra o entorpecimento que o abateu como única alternativa para a recuperação do vigor legislativo. De preferência, manifestar e participar.

Meu otimismo se justifica pela história das duas Casas Legislativas. Tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados já foram mais atuantes, berços de grandes vultos e debates memoráveis. Dali nasceram soluções e encaminhamentos de grande valor democrático e amplo alcance social. Conheci e presenciei vários desses personagens e testemunhei alguns momentos históricos, porque ali estive como deputado federal.

Infelizmente, tenho que concordar com a percepção coletiva de que a representação política perdeu muito em qualidade na atuação parlamentar. Os deputados e senadores, em grande parte, se veem mais envolvidos nas discussões sobre as famosas emendas parlamentares – que não resolvem os graves problemas estruturais e institucionais de que o país padece. Mesmo os partidos políticos têm foco quase único em orçamentos. Buscam participar do poder reclamando a ocupação de espaços administrativos (invariavelmente no Poder Executivo) com maior potencial de gastos.

Assim, cada vez mais vai ficando em segundo plano a imperiosa necessidade de se fazer as reformas de que o Brasil tanto precisa, como a reforma política (a “mãe das reformas”), a reforma fiscal, a reforma previdenciária ou revisão de leis como a 8666/93, que trata de licitações e aguarda quase 20 anos por atualizações. Vivemos de iniciativas de remendo, costurando aqui e acolá para manter o tecido. Não é por menos que aparentamos ser uma grande colcha de retalhos. Também não é por menos que outras instituições, como o Poder Judiciário, acabam sendo induzidas ao ato de legislar, fixando normas que deveriam se originar no Legislativo.

Preocupa-me também a forma distorcida como um grupo relevante de congressistas reagiu às soluções que visam aproximar o cidadão do dia a dia do poder. Esse grupo posicionou-se contra o debate e a deliberação de políticas públicas por conselhos sociais e instituições similares. Reclamou que esse papel é exclusivo do Parlamento. De fato, é evidente que a palavra final deve ser do Legislativo, mas jamais devemos aceitar que a sociedade organizada seja afugentada do debate. Ao contrário, é nosso dever estimular o controle social.

O que não podemos é perder a esperança e acreditar nas soluções esdrúxulas daqueles que veem o Congresso como descartável. Eles não sabem o que falam. E, se o sabem, gostam de outra coisa, menos de democracia. A democracia representativa é insubstituível. Sou ferrenho defensor desse modelo e prego o resgate da representação política como medida mais eficaz de enfrentamento à omissão de congressistas.

Essa omissão é consequência de causas diversas, como a falta de educação para a cidadania, o despreparo dos nossos partidos (que não investem no aprendizado para a função pública), o sequestro da representação popular pelo interesse privado etc. No entanto, será o inconformismo e o ecoar das vozes da população, somados à maior participação do cidadão, que funcionarão como remédios para debelar esse mal. Pois nenhum parlamentar esquece que dependeu do voto para estar nesta condição.

O ecoar de vozes e a organização da sociedade funcionam. Por isso, além de se manifestar, é importante participar e acreditar nos lampejos de sensibilidade. Resultado disso, por exemplo, ocorreu com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, cujo projeto teve origem em iniciativa popular com milhares e milhares de assinaturas. Foi o quarto projeto desse tipo que sensibilizou o Congresso Nacional. Antes, tivemos matérias de iniciativa popular que criaram o Fundo Nacional de Habitação, a lei que caracterizou como crime hediondo chacina realizada por esquadrão da morte e a lei que que tornou crime passível de cassação a compra de votos .

Concluo celebrando os movimentos de 2013 e do começo de março deste ano. Embora motivados pela inépcia do serviço público e contra a corrupção, demonstram ampla reação da população. Torço apenas para que não fiquemos no momentâneo, na superficialidade. Assim como a omissão no Congresso Nacional, temos que combater essa tendência de crer que alguém virá nos salvar. Não existem salvadores da pátria. No mundo real só existe espaço para a consciência e a contribuição de cada um.

* Antonio Joaquim é conselheiro e ouvidor-geral do Tribunal de Contas de Mato Grosso.