Moderna atuação do Tribunal de Contas em tempos de pandemia
Por Conselheiro Wilber Carlos dos Santos Coimbra. Pós-Doutor em Direito, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional
Notadamente, em época de anormalidade como a que estamos experimentando, sob a pauta da pandemia evidenciada pela COVID-19, o que tem afetado, drasticamente o planejamento e, consequentemente, a capacidade de entrega operacional, a contento, dos imprescindíveis serviços de saúde pública, resta, portanto, induvidoso que o Tribunal de Contas, ao abrigo do constitucionalismo brasileiro é, a toda evidência, carente de legitimidade político-abstrata para se animar, ainda que movido por régios propósitos, a tomada de decisão e, assim, substituir-se ao gestor, na ambiência da gestão pública a cargo dos poderes e instituições sujeitas ao controle externo especializado.
Em reforço argumentativo ao que foi dito em linhas precedentes, sob pena de compartilhar da responsabilidade pelos resultados de ausência de governança pública, daí, porque a mencionada Entidade Superior Controladora não concentra, em si, a força institucional para promover a opção política de emprego e da gestão dos recursos públicos, mas filtra, fortemente, e, para tal fim, incorpora constitucionalmente elementos catalisadores vertidos numa prática legítima de correção ou justificação, cujo uso dessa ação se inclina exclusivamente para a concretude das prioridades constitucionais colimadas, em destaque, no ponto, ao bem-valor fundamental que é a efetiva promoção da saúde pública.
De outra forma, o Tribunal de Contas politizado ou envolto em desmedido ativismo jurisdicional corre o sério risco de sucumbir-se ao marketing das opiniões em desarrazoado desprestígio à fundamentação e à imprescindível argumentação decisória dos seus especializados pronunciamentos, como fonte que dimanam a estabilidade da confiança e legitimação, desse modo, restringindo as suas relevantes e singulares competências constitucionais a essas atraentes e voluptuárias crenças, dessarte, a tornar-se, indesejavelmente turvo e espasmódico, sob as lentes prosaicas do jogo de interesse sub-reptício, exponencialmente robustecido pelas narrativas dos tempos sombrios de pós-verdade.
Vindo daí, sem prejuízo dessa evidência jurídico-política, tem-se a sincera expectativa que a modelagem que empresta forma substancial ao Órgão Superior de Controle Externo da Administração Pública, na vigente configuração constitucional, não deve e não pode ser compreendida, apenas, em filtrar passiva e apaticamente o planejamento e desempenho operacional da função administrativa estatal, tal como foi realizado.
Essa tarefa é, decerto, de elevado relevo e, para tanto, consubstancia-se como o referenciado desempenho realizar-se-á no mundo fenomênico, objetivando, nesses termos, inspirar, à luz do escrutínio da tríade, relevância, materialidade e risco, o ambicionável fomento e não-inibição à capacidade de liderança criativa e inovadora do gestor público, para induzi-lo à formulação e implementação de vigorosos e efetivos instrumentos de governança pública, como racional estratégia de gestão, dos quais se pode extrair os máximos valores vetoriais, revelados na efetividade dos resultados, alta probabilidade de sua consecução e confiável mensurabilidade.
Nesse cenário, o Tribunal de Contas, frequentemente encarado como instância de poder, por seu turno, incumbido do julgamento do gestor por seus atos de gestão, pelo que fez ou deixou de fazer, passa a ser convocado, moderna e constitucionalmente, para uma verticalizada avaliação, direção e monitoramento gerencial mais proativo, nada obstante, caminhando em reconhecida e estreitíssima trilha nesse desiderato, entrementes, resoluto com a cautela devida em promover o necessário constrangimento legal de sujeição da Administração Pública às estruturas formais e, mormente, de controle social dos seus atos em perfeita harmonia com o paradigma ético-normativo da máxima efetividade da Constituição.
E, dessa maneira, além de outras competências que lhes são peculiares, inclusive sancionatória, subjaz fortemente comunicar ao verdadeiro dono do negócio – o povo -, agenciada por qualificada accountability prospectiva ou preditiva, mediado por seus instrumentos adjetivos de fiscalização e controle aplicáveis à espécie, em forma de pronunciamento jurisdicional tempestivo do que o gestor é e o que se pode esperar desse administrador público, à sombra do primado da realidade, sem, contudo, usurpar o papel de planejamento e de gestão, de maneira a viabilizar, em regime condominial, autocontenção e deferência funcional, o atingimento dos ideais que emprestam vida e justificam o Estado do Bem-Estar Social, especialmente, nos atuais dias que desse Estado não se cogita prescindir.