"Atual modelo de compras públicas favorece a corrupção", diz Marçal Justen

 imagemEm palestra na comemoração dos 68 anos do TCE-PR, jurista paranaense defende prevenção, redução de prerrogativas dos agentes públicos e maior sujeição às regras básicas do mercado

Poderes extraordinários conferidos pelas leis aos agentes públicos são portas abertas à corrupção. O mau gestor pode lançar mão de alterações ou mesmo da extinção unilateral de contratos, exigências de amostras de produtos ou garantias, possibilidade de demora e suspensão dos pagamentos para exigir propina ou restringir a competitividade entre fornecedores.

A necessidade de reforma da Lei de Licitações (8.666/93), reduzindo-se as possibilidades de prerrogativas extraordinárias – também chamadas cláusulas exorbitantes – no Direito Público foi defendida pelo jurista Marçal Justen Filho, durante palestra no Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). Ele foi o conferencista convidado na comemoração dos 68 anos do órgão de controle, nesta terça-feira (2 de junho).

Na avaliação de Justen Filho, as prerrogativas extraordinárias, reproduzidas do modelo francês, não se justificam no Direito Administrativo brasileiro. “É um regime essencialmente não democrático, muito incentivado no período totalitário”, afirmou. “Se quisermos realmente mudar o Brasil, temos que arquivar este modelo, que é complexo e favorece a corrupção.” Segundo ele, o momento atual, em que a sociedade discute o tema e busca mecanismos para combater o desvio de recursos públicos, é ideal para essa mudança.

Mercado e prevenção

Justen Filho defendeu a incorporação da teoria de mercado conhecida como seleção adversa ao sistema público de compras e contratações. Desenvolvida por três pesquisadores norte-americanos, vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2001, a teoria confirma a tese de que o volume assimétrico de informações entre agentes econômicos favorece a competição entre eles.

Para o jurista, o poder público deve se beneficiar dos conhecimentos aprofundados que os diversos fornecedores detêm sobre o bem ou serviço que oferecem para escolher a melhor proposta. “A administração não conhece tanto o objeto contratado quanto o particular, que pode apontar falhas de concorrentes e atuar como uma espécie de controle do poder público”, defendeu. Isso evitaria a situação, hoje comum, que resulta na compra de produtos de má qualidade quando a licitação seleciona o fornecedor apenas pelo critério do menor preço.

Além da sujeição das compras públicas às regras do “mercado real”, Justen Filho defendeu a prevenção – focada especialmente no agente público – e maior transparência no exercício das competências extraordinárias do gestor como formas de combater a corrupção nas contratações administrativas. Entre os pontos de revisão necessários, citou também a simplificação do conjunto legislativo e o aperfeiçoamento dos sistemas de controle, que assegurem a prevalência da lei.

Homenagem

A palestra de Justen Filho lotou o auditório do TCE-PR, em Curitiba. “Nosso aniversário de 68 anos ficará na memória com um evento em que se homenageou um dos maiores juristas que o Paraná já produziu, alguém que modernizou o Direito Público brasileiro”, destacou o presidente, conselheiro Ivan Bonilha, na abertura da solenidade. Ao final, ele entregou ao palestrante uma placa em que o Tribunal reconhece sua contribuição ao controle da atividade pública no País.

Advogado, mestre e doutor em Direito do Estado, Marçal Justen Filho foi professor da Universidade Federal do Paraná por 20 anos. Atua na advocacia e tem 15 livros publicados, que abordam, entre outros temas, doutrina do Direito Administrativo, concessões de serviços públicos e licitações.

Autoridades

A comemoração do aniversário do TCE-PR reuniu os presidentes do Tribunal de Justiça, desembargador Paulo Roberto Vasconcelos; e da Assembleia Legislativa, deputado Ademar Traiano. O secretário da Casa Civil em exercício, Alexandre Teixeira, representou o governador Beto Richa; e o procurador-geral do Município de Curitiba, Joel Soares Pereira Neto, o prefeito Gustavo Fruet. O secretário de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) no Paraná, João Manoel da Silva Dionísio, também acompanhou o evento. Na plateia estavam conselheiros, auditores, procuradores do Ministério Público de Contas, diretores, inspetores e servidores do Tribunal.

O TCE-PR foi criado em 2 de junho de 1947, pelo então governador Moysés Lupion, por meio do Decreto Estadual 627. Nesses 68 anos de atividade, se consolidou como um dos mais efetivos e respeitados órgãos de controle externo do gasto público no País. Seu âmbito de fiscalização abrange o governo estadual e os 399 municípios paranaenses, além de pessoas e entidades privadas que utilizam recursos públicos repassados por esses órgãos.