Emendas orçamentárias também para as creches

Cezar Miola

Nos últimos anos, o expressivo crescimento das emendas aos orçamentos vem suscitando amplos debates. A partir da União, a prática igualmente já se verifica em inúmeros entes da Federação. E, com a possibilidade de direcionar uma parte significativa dos recursos não vinculados, os parlamentares agregam uma atuação para além das tradicionais funções legislativas e fiscalizadoras: ganham efetiva participação na execução orçamentária, em ações distribuídas por todo o território nacional.

A inovação em causa é marcada por aspectos diversos, que vão do aumento continuado dos valores (no plano federal, de R$ 6 bilhões alocados há uma década, chegamos neste ano a cerca de R$ 50 bilhões) à necessária transparência no emprego, no controle e na avaliação dos resultados. E o debate segue quando se trata dos critérios para as escolhas feitas, em cotejo com as demandas existentes nas diversas políticas públicas, Brasil afora.

Sem embargo da máxima reverência à legitimidade democrática de quem, investido pelo voto popular, é certo que, na perspectiva do planejamento (o qual, pela Constituição, é obrigatório para o setor público), o tema “emendas” enseja reflexões e análises à luz dos princípios da eficiência, da eficácia e da efetividade. Todavia, mesmo no desenho hoje colocado, no sensível balanço entre a governança do orçamento e as forças de negociação e dos diversos interesses em disputa, há espaço para ir ao encontro de algumas das grandes prioridades nacionais.

E qual é, então, o verdadeiro chamamento de que se ocupa o título deste singelo artigo? Que nossos parlamentares, das diferentes casas legislativas, reservem parte das respectivas indicações para aquelas áreas com notórias carências, onde investimentos pontuais poderão levar a resultados concretos e rápidos. E, na área da educação (assim como já ocorre com a saúde), poderia haver um percentual “carimbado” nas emendas. Nesse caso, recursos adicionais poderiam ser direcionados à construção, ao equipamento e à manutenção de escolas de educação infantil, à ampliação do acesso à creche e à qualidade dessa oferta nos municípios brasileiros com maiores carências.

Entretanto, ainda que não se tenha norma expressa nesse sentido, dependerá unicamente da denominada “vontade política” a alocação de verbas que poderão atender centenas de milhares de crianças em todo o Brasil (a serem aplicadas de modo eficiente, submetidas ao controle e com transparência). Adotar essa abordagem contribuiria para demonstrar a relevância do gasto público por meio das emendas e seus impactos imediatos em benefício da população.

Alguns números ajudam a desenhar o quadro a respeito, com sobradas justificativas para essa medida: conforme dados do portal oficial Siga Brasil, dos quase R$ 310 bilhões empenhados em emendas para todas as áreas no Orçamento federal desde 2015 (já com correção pelo IPCA), pouco mais de R$ 15 bilhões (menos de 5%) foram destinados à função Educação (se considerarmos unicamente a subfunção Educação Infantil, não se alcança a cifra de R$ 200 milhões).

Já o recente Panorama do Acesso à Educação Infantil no Brasil, do Todos Pela Educação (dados de 2024), aponta uma taxa de apenas 41,2% de atendimento em creches no país, o que significa quase 7 milhões de meninas e meninos de 0 a 3 anos fora do ambiente escolar. Desse total, 2,3 milhões de crianças na faixa etária enfrentam dificuldades de acesso, como “falta de vaga, distância da residência ou recusa no atendimento devido à idade”. E essa realidade afeta justamente a população de menor renda (a mais necessitada, portanto).

São conhecidas as muitas razões pelas quais é estratégico para o país investir nos primeiros anos de vida de meninas e meninos: desenvolvimento de estímulos e habilidades, espaço de convivência, proteção, sociabilidade. E até mesmo os benefícios econômicos estão demonstrados: conforme a referenciada pesquisa do ganhador do Prêmio Nobel de Economia James Heckman, cada dólar destinado nessa etapa implica o retorno de US$ 7.

Mas, ainda que tudo isso fosse pouco (e, claro, não é!), há um componente de natureza política que parece se mostrar sedutor, conforme bem referido na coluna de Renata Cafardo, no Estadão de 08-11-2025. Segundo a autora, na eleição de Zohran Mamdani para a prefeitura de Nova York, pesou fortemente a sua agenda de compromissos voltados ao atendimento dos pequeninos, demonstrando a relevância do tema até mesmo na rica “capital do mundo”. E pela simples razão de que se está tratando de algo que toca diretamente na vida das famílias, em diferentes dimensões.

Então, é possível falar não só nas evidências do impacto, mas do próprio retorno político como estímulo para que a prioridade absoluta à criança, ao jovem e ao adolescente, prevista no artigo 227 da Constituição, de fato se materialize, indo para além das tribunas e dos palanques. Prioridade a ser assumida por todos os agentes públicos, das três esferas da Federação, inclusive porque investir na educação das nossas crianças também pode ter reflexos positivos nas urnas.

Fica o convite, pois, para uma ampla mobilização nacional: emendas parlamentares também para as creches!

Cezar Miola é conselheiro do TCE-RS e vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Atricon

*Artigo publicado originalmente pelo jornal O Globo – Foto: Domingos Peixoto