O gasto pode até ser mínimo, a qualidade da educação não

por Dimas Eduardo Ramalho ¹ e Élida Graziane Pinto²

A sociedade brasileira tem uma demanda universal e apartidária, cujo atendimento vem sendo postergado e acumulado, a cada geração, como verdadeiro fracasso nosso. Queremos educação pública de qualidade, como, aliás, também quiseram nossos avós e bisavós no século passado.

Nestes tempos de Copa do Mundo, os movimentos de junho do ano passado bem resumiram a falta do “padrão Fifa” para a educação. Seria tal lema apenas irônico, se não fossem trágicos os resultados de desempenho dos estudantes brasileiros em exames internacionais como o PISA (Programme for International Student Assessment) e o próprio comportamento, por vezes, sucessivamente estagnado ou mesmo de retrocesso das metas de IDEB (Índice de Desempenho da Educação Básica) das redes públicas municipais e estaduais de ensino.

Os resultados são desoladores, mas pior do que isso é a ausência de um plano de ação, na medida em que, desde dezembro de 2010 até os presentes dias, sequer conseguimos aprovar o Plano Nacional de Educação – PNE – em descompasso, inclusive, com a década que ele deveria reger (2011/2020). Enquanto fracassamos coletivamente na formação qualitativa dos nossos estudantes, os gestores públicos, quase invariavelmente, alegam serem necessários mais recursos públicos para pagar salários de professores, construir escolas, oferecer material didático etc.

De fato, manter vagas de escola em horário integral, remunerar bem e capacitar continuamente os profissionais de educação, além de acompanhar individualmente a aprendizagem dos alunos são ações dispendiosas, contudo, em um país em desenvolvimento, são substantivamente mais baratas do que nas nações mais desenvolvidas, o que torna a discussão entre subfinanciamento de recursos e desperdício ainda mais importante.

Nesse sentido, preocupa-nos, em particular, a existência do gasto público protocolar e – até certo ponto – inercial, apenas para cumprir o piso constitucional da educação. Tal gasto mínimo formal não se faz acompanhar da devida atenção para com o desempenho tanto individualmente das escolas, quanto, em geral, das respectivas redes públicas de ensino.

Ainda que o Congresso esteja a debater projetos sobre responsabilidade educacional e haja quem sustente ser impossível – na falta de novas leis – punir os gestores por sua contumaz inércia na garantia de padrão progressivo de qualidade para a educação, acreditamos ser esse o grande desafio contemporâneo de todas as instituições de controle.

O primeiro raciocínio necessário para equacionar a questão acima precisa ser retomado junto ao legado de nossos avós e bisavós que, direta ou indiretamente, conseguiram estabelecer o dever de gasto público mínimo em educação há aproximadamente 80 anos.

Vale lembrar, por oportuno, que, no próximo dia 16 de julho, a sociedade brasileira comemorará os 80 anos do dispositivo constitucional que fixa porcentual mínimo de gasto governamental em educação. Isso porque foi a Constituição democrática de 1934, em seu art. 156, que inaugurou a vinculação orçamentária de despesa para a política pública de educação.

Ressalvados os retrocessos autoritários de 1937 e 1967/1969 e considerando a reinserção feita pela Emenda Calmon de 1983, é incontestável a forma escolhida pela Sociedade Brasileira, por meio de sua Constituição, de como o Estado deve assegurar o direito à educação, sob o aspecto do seu custeio, fixado como um patamar mínimo das receitas de impostos e transferências dos entes da Federação. Evidentemente não há qualquer restrição a gastos acima do piso.

Não obstante, após tão longo período, em que os recursos foram garantidos, a falta de resultados substantivos, como atestado pelas avaliações internacionais e nacionais, mostra que a fórmula é, no mínimo, imperfeita.

Atualmente, ainda que seja necessária a fixação de meta de aplicação de recursos públicos em porcentagem do produto interno bruto (o que é o principal entrave à aprovação do PNE), percebemos – em nossa atuação cotidiana – que não basta a busca por mais recursos, sem que se cobre pela progressividade de resultados. Por mais óbvio que pareça ao cidadão comum, o desafio atual é viabilizarmos meios jurídicos que nos permitam tornar claro ao gestor que não basta gastar o mínimo ou um pouco acima dele, é preciso gastar bem. Ou seja, é preciso usar os recursos públicos adequadamente e obter resultados socialmente satisfatórios, cumprindo metas progressivas de qualidade da educação que comprovem haver sido eficiente a despesa realizada.

O alargamento da noção de gasto mínimo em educação permitiria aos Tribunais de Contas e às demais instâncias competentes de controle avaliar se as despesas empreendidas naquele porcentual vinculado acarretaram resultados injustificadamente estagnados ou regressivos ao longo do tempo.

O que estamos a defender é que não basta o cumprimento matemático do dever de gasto mínimo se a ele corresponder estagnação ou regressividade imotivada de indicadores e índices oficiais de desempenho durante o período examinado. Gastar formalmente o montante mínimo de recursos vinculados, mas não assegurar o padrão de qualidade é gastar mal (lesão aos princípios da finalidade e eficiência), além de configurar oferta irregular de ensino nos moldes do art. 208, § 2º cominado com o art. 206, VII, ambos da CR/1988.

Em suma, o gasto até pode haver sido fixado em patamar mínimo, mas a qualidade da educação envolve dever de progresso, do qual não podemos nos furtar sob pena de as futuras gerações nos cobrarem pelo que deixamos de avançar no cumprimento de normas constitucionais vigentes há tanto tempo. Afinal, se de um lado não existe plena democracia em um Estado que não atende os anseios de seu cidadão, de outro, não existe plena cidadania, em uma Sociedade sem educação. Eis o grande desafio.


[1] Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e Professor de Direito.

[2] Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

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