As recentes manifestações de rua, ainda em curso em todo o País, sinalizam o mal estar da população, a insatisfação dos cidadãos diante das mazelas do Poder Público, que tanto afetam o cotidiano de vida de cada um e comprometem a decência da vida pública nacional, que se acumulam com o passar do tempo sem encaminhamento satisfatório. Deflagrado com o aumento das passagens de ônibus, no Rio e em São Paulo, o movimento foi em um crescendo com a agregação dos questionamentos sobre a qualidade dos serviços públicos, dos gastos com a preparação das Copas das Confederações e do Mundo da FIFA e da corrupção persistente.
É certo que, nos últimos anos, se têm registrados avanços sociais, com a redução da pobreza absoluta, com os programas de transferência de rendas; as ações afirmativas que têm possibilitado o acesso ao ensino superior e técnico a um expressivo contingente, sobretudo de jovens outrora excluídos, e o aumento do padrão de consumo dos estratos mais carentes da população. Todavia, os ganhos obtidos com a agenda social terminam comprometidos com a ineficiência da prestação de saúde pública, a baixa qualidade da educação pública e o agravamento das condições de mobilidade urbana. Os investimentos públicos com a preparação das Copas já montam a R$ 28 bilhões, sem que se vislumbre o legado para a melhoria da qualidade de vida do conjunto da população. Os episódios de corrupção, reduzidos a “malfeitos”, não obtiveram, ainda, solução republicana com a efetiva responsabilização dos autores e a devolução do dinheiro público. Nesse tema, espera-se que não haja retrocesso no cumprimento das condenações exemplares do STF no chamado caso do mensalão.
Em nossa experiência, temos observado o crescimento, a cada ano, do descumprimento das aplicações dos índices constitucionais em saúde e educação, dos elevados gastos com publicidade e das irregularidades ou mesmo a ausência de processos licitatórios para as contratações públicas, fatos que têm acarretado imputação de multa e ressarcimento e rejeição de contas, que esperamos tenham a devida repercussão na aplicação da Lei da Ficha Limpa.
As manifestações de rua são, portanto, alertas que se dirigem a todos àqueles que têm parcela de responsabilidade pública para mudar esse estado de coisas. Os cinco pactos nacionais lançados pela Presidente da República – responsabilidade fiscal e compromisso com a estabilidade e o controle da inflação, o aumento dos investimentos em educação, saúde e transporte público, a reforma politica com a participação da sociedade, e a transformação da corrupção em crime hediondo, já aprovada pelo Senado, e a prisão de um parlamentar condenado por improbidade, por ordem do Supremo, já como consequências da mobilização social, não eximem, contudo, as outras instituições de se auto interpelarem sobre sua contribuição para as transformações socialmente exigidas.
Neste sentido, penso que os Tribunais de Contas brasileiros devem avançar no processo de modernização e aperfeiçoamento da sua ação fiscalizatória e nos procedimentos auditoriais. Os Tribunais investiram expressivamente em tecnologia da informação, redesenho dos seus processos de trabalho e capacitação dos seus quadros. Agora, é a hora de transformar os projetos em ação. A fiscalização não deve se restringir a auditoria de conformidade centrada no exame de papéis. É necessário avançar na auditoria operacional do cumprimento dos objetivos e metas das politicas públicas e dos resultados sociais alcançados, em termos de economicidade, eficiência e eficácia. Necessitam imprimir uma atuação fiscalizatória proativa para prevenir danos ao patrimônio público. É necessário, ademais, que o Congresso Nacional defina a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas para que, também, essas instituições sejam devidamente avaliadas e controladas, não só por sua independência funcional e desempenho institucional, mas de igual modo, quanto à condenável prática de nepotismo.
A mensagem que emerge desta grande mobilização social é clara: queremos um Brasil eticamente melhor.
* Conselheiro Francisco de Souza Andrade Netto é vice-presidente do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA) e presidente da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas (ABRACOM).