Prescrição e os Tribunais de Contas

A força extintiva da prescrição do dano ao erário e as decisões dos Tribunais de Contas: nem tudo é jogo de soma zero[1].

The extinct force of the prescription of damage to the treasury and the decisions of the Courts of Auditors: not everything is a zero-sum game.

André Luiz de Matos Gonçalves[2]

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo, por meio de análises de decisões judiciais e revisão bibliográfica, investigar, a partir de diversas decisões da mais alta Corte do país, a possibilidade ou não da incidência da prescrição do direito do Controle Externo, representado pelo TCU, de apurar danos causados ao erário por meio de Tomada de Contas Especiais, ultrapassado o prazo de cinco anos. O eixo central para o deslinde da questão reside na possibilidade ou não de apuração, na quadra administrativa, dos atos dolosos de improbidade administrativa que, segundo o STF, representam requisito indispensável para a imprescritibilidade do dano ao erário.

PALAVRAS-CHAVE: PRESCRIÇÃO. DANO AO ERÁRIO. TRIBUNAIS DE CONTAS. PRECEDENTES.

ABSTRACT

This article aims, through analysis of judicial decisions and bibliographic review, to investigate, based on several decisions of the country’s highest court, the possibility or not of the incidence of the prescription of the External Control right, represented by TCU, to investigate damages caused to the treasury through the seizure procedure of special account, after the period of five years has passed. The central axis for resolving the issue lies in the possibility or not of investigating, in the administrative field, the willful acts of administrative improbity that, according to the STF, represent an indispensable requirement for the imprescriptibility of the damage to the treasury.

KEYWORDS: PRESCRIPTION.  DAMAGE TO THE ERARY. COURT OF AUDITS. PRECEDENTS.

 Introdução

O decurso do tempo possui influência incontestável sobre a aquisição ou extinção do direito e é neste ambiente que o exame da prescrição da pretensão punitiva ou ressarcitória, levado a efeito pelos Tribunais de Contas nas Tomadas de Contas Especiais tem vez. Trata-se de instituto de direito material cujo o termo inicial é fixado no momento do dano ao erário ensejado a partir da violação de normas jurídicas de direito administrativo.

Ao explicar do que se trata a prescrição, Pontes de Miranda[3] esclarece que a prescrição é defesa, é exceção, contra quem não exerceu um direito durante um lapso de tempo fixado na norma. Pois bem, a questão que será debatida é exatamente essa, qual é esse prazo para o exercício das atribuições fiscalizatórias constitucionais dos Tribunais de Contas no levantamento dos danos e na imputação de responsabilidade? Ou não há prazo de exercício, já que até bem pouco tempo, com base no art. 37 § 5º da CF, era reinante a compreensão de que os bens públicos, de qualquer natureza, eram imprescritíveis?

Ainda que o presente exame acadêmico reconheça a seriedade dos argumentos dos que afirmam que a jurisprudência não pode ser considerada – do ponto de vista científico – fonte formal do direito[4], esta deve ser tomada, ao menos, como fonte intelectual.  A realidade é que a jurisprudência do STF vem se revelando cada vez mais como fonte criadora do direito, sobretudo na quadra do controle externo brasileiro, onde o STF vem ultrapassando com muita frequência a seara puramente judicante para examinar categorias de jaez teórico, como se verá nas reflexões aqui traçadas sobre a natureza objetiva ou subjetiva dos processos de Tomadas de Contas, e da possibilidade ou não do exercício pleno do contraditório  no que atine à apuração do dolo, requisito de imprescritibilidade conforme estabelecido no tema 897.

O exame das teses com repercussão geral expedidas pela mais alta Corte do país, possui também uma nobre função de estabilização, na medida em que contribui para a segurança jurídica e da proteção da confiança na aplicação do direito. Há também desencargo da tarefa de fundamentação, na medida em que assentada a compreensão fundamentada, justificada, o que remanesce com ônus de justificação é a segregação dos fatos especiais.

Enunciados dogmáticos, como o que afirma serem imprescritíveis os danos contra fazenda pública, vêm passando por transformações por razões sistemático-conceituais em face de novas situações que reclamam soluções alternativas em prol da racionalidade, como, por exemplo, a tramitação de um processo de apuração, sem prazo certo, nas Cortes de Contas, o que parece incompatível com a exigência de consistência e com o princípio da universalidade. [5]

No presente ensaio, não houve preocupação em diferenciar os institutos afins da prescrição e da decadência, o que se poderá observar nas passagens em que são citados os dois institutos. O critério diferenciador posicionou-se no campo da incidência, verificando-se nas citações proferidas pelo Min. Gilmar Mendes[6] que, segundo entende, a prescrição atinge diretamente a ação e, por via oblíqua, faz desaparecer o direito tutelado, ou seja, fazendo perecer a ação de persecução pela Corte de Contas de apuração de eventual prejuízo.

Comentários laterais no RE 636.886-AL e a tendência jurisprudencial sobre a prescrição incidente nos processos de apuração em Tomadas de Contas Especiais

Ao decidir a questão posta no RE 636.886-AL, a qual tratou sobre execução fundada em acórdão do TCU, especificamente quanto a (im)prescritibilidade incidente na execução judicial do título produzido pela Corte, voltada ao ressarcimento em face de prejuízo gerado contra o erário público, nos termos § 4º do art. 40 da lei 6.830/80[7] e com figurino constitucional no art. 37 § 5º, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, teceu comentários laterais sobre a possibilidade da  prescrição nos processos de Tomada de Contas Especiais em curso no Tribunais de Contas da União.

Tal argumentação se deu em face dos dados trazidos pela União sobre a tramitação de processos no TCU e os decorrentes riscos aos cofres públicos pela eventual impossibilidade de reparação dos danos, caso a tese da prescritibilidade no quinquênio fosse firmada. Em memoriais, colacionados aos autos do processo, a AGU aduziu que “o Tribunal de Contas da União vem envidado esforços no sentido de aperfeiçoar o seu processo de trabalho, melhorando a eficiência e aumentando a agilidade em sua tramitação”. Afirmou, ainda, a União, ter havido significativa “redução do estoque de processos, diminuição do tempo e melhora nos resultados” na Corte de Contas Federal.

No encadeamento dos seus argumentos nos aludidos memoriais, juntados aos autos do processo do RE 636.886-AL, alertava, à oportunidade, a advocacia da federal, que caso viesse “a ser considerado o prazo prescricional de 5 anos, a maior parte dos processos e dos valores dos débitos imputados já chegariam ao Tribunal prescritos. Se considerado o período entre a data do fato gerador e a autuação do processo no TCU, quase 60 % dos recursos relativos aos débitos dos processos (equivalente a R$ 7,28 bilhões) já estariam prescritos antes mesmo do início da autuação; 23,5% do volume desses recursos já conteria pelo menos uma parcela do débito prescrita; e apenas 15,52% do total de recursos relativos aos débitos são provenientes de processos cujas parcelas não estariam prescritas no momento da autuação no TCU”.

Àquele momento, arrazoando sobre o termo inicial para contagem do prazo prescricional, a AGU buscou desobscurecer ao STF que se o marco temporal considerado fosse “a primeira deliberação por citação no processo de TCE, 64,5 % dos valores dos débitos, equivalente a R$ 7,94 bilhões de reais, teriam todas as parcelas prescritas antes da primeira citação; 24,27 % dos recursos teriam ao menos uma parcela prescrita; e apenas 11,23 % dos recursos não teriam nenhuma parcela prescrita[8]”,

É necessário circunscrever, outrossim, antes do exame das transcrições do recurso extraordinário em questão, que o teor deste ensaio não tratará especificamente do conteúdo da tese firmada[9] no RE 636.886-AL, voltada ao exame da possibilidade ou não da prescrição do dano ao erário da execução propriamente dita, segundo o rito da Lei de Execuções Fiscais, mas dirá respeito à possibilidade de prescrição incidente sobre os processos em curso nos próprios Tribunais de Contas, ou seja, antes mesmo da constituição do mencionado título lastreado no art. 71 § 3º da Constituição.

Disse o ministro, em resposta aos argumentos da AGU acima transcritos: “Em primeiro lugar, cabe ao Tribunal de Contas, de modo geral, envidar esforços para que haja redução de tempo na referida Corte. Penso não ser legítimo o sacrifício de direitos fundamentais do indivíduo, como forma de compensar a ineficiência da Máquina Pública”[10].

Ao que se pode observar, o STF expõe, embora não seja diretamente o objeto da questão a ser decidida, haver necessidade de  prazo para o transcurso das apurações de eventuais danos ao erário, visto que o processo administrativo de apuração não pode estar, como nenhum outro pode, fora do alcance do decurso temporal extintivo do direito que, no caso específico das Tomadas de Contas Especiais[11], atine à liquidação do débito e à  correspondente sanção dos responsáveis, poderes concedidos constitucionalmente ao Tribunal de Contas da União e, por simetria, às demais Cortes de controle externo estaduais e municipais, onde há.

Ainda argumentando lateralmente em resposta a AGU, o Ministro Alexandre  fundamenta: “ Em segundo lugar, conforme detalhei no início do voto, o direito oferece um caminho, para as objeções suscitadas pela nobre procuradora: exsurgindo elementos consistentes da atuação consciente e dolosa[12], no sentido da má gestão e de dilapidação do patrimônio público, abre-se a possibilidade de ajuizamento da ação civil pública por atos de improbidade administrativa, na qual (a) os acusados terão plenas oportunidades de defesa e (b) a condenação de ressarcimento, comprovado o agir doloso, será imprescritível, na forma da jurisprudência dessa corte.[13]

É necessário ponderar que os transcritos, empregados na decisão, não estão direcionados, com seus fundamentos definitivos, à orientação que pode ser aplicada diretamente a casos futuros de processos em trâmite nas Cortes de Contas, ou seja, não se tratam, os argumentos expendidos em resposta à provocação da União, nas passagens mencionadas, de ratio decidendi ou holding. É de se reconhecer que são, em verdade, argumentos marginais, mas que estão fortemente presentes no argumento central da questão decidida, embora, reitere-se, sem a força transcendente que a condição que ostentam, de obter dictum, não pode alcançar.

Após a decisão do STF no RE 636.886-AL, o TCU, na Tomada de Contas Especial nº 019.366/2019-1[14], em face da omissão no dever de prestar contas de recursos recebidos do Fundo Nacional de Assistência Social, no exercício de 2010, e da revelia no processo administrativo diante das Cortes de Contas federal, tratou de alguns temas cujo exame são relevantes para as reflexões propostas no presente ensaio, em cotejo com as ponderações feitas até aqui.

No caso concreto, o fundamento da instauração da Tomada de Contas Especial foi a omissão no dever de prestar contas, concluindo-se, no processo administrativo, que o prefeito deveria restituir aos cofres da prefeitura de Campinorte/GO a importância de R$ 133.275, 00, dada a sua condição de gestor dos interesses públicos e a inadimplência da sua obrigação constitucional de comprovar a boa e regular aplicação dos recursos federais repassados[15].

Importante observar que a conduta é de natureza omissiva e que o nexo de causalidade estabelecido no aludido julgado administrativo é descrito a partir da impossibilidade da constatação do emprego dos recursos recebidos na política pública a qual destinavam-se, em face da não prestação de contas na forma e no prazo devido, supondo-se, assim, que o prefeito municipal tinha consciência da ilicitude da sua omissão.

No caso concreto, reitere-se, a violação do dever constitucional de prestar contas traduz-se, na visão do controle, segundo o TCU, em uma violação central dos princípios regentes da administração pública, com especial efeito a transparência, conduzindo as análises para a conclusão de que a totalidade dos recursos públicos federais supostamente foi desviada pelo próprio gestor ou por pessoas escolhidas por ele, o que traduz-se em culpa grave  na medida em que as suas ações se distanciam da conduta esperada de um gestor médio.

No contexto apresentado, a instrução processual ressente-se da ausência de defesa, ante à revelia, concluindo-se, portanto, que nos autos não há nada capaz de levar a conclusão de que houve boa-fé do jurisdicionado, tampouco excludentes de culpabilidade. Nesse sentido, a decisão reafirma a Súmula TCU n° 282 [16], na medida em que é imprescritível a ação de ressarcimento ao erário e, por conseguinte, considerando irrelevante o momento em que ocorreram os atos irregulares.

Importa perceber que na decisão houve esforço de subsunção do caso concreto à Lei de Improbidade Administrativa, sob o argumento de que esta prevê, art. 11, inciso VI, segundo o fundamento do acórdão, como ato de improbidade administrativa a ausência de prestação de contas por quem esteja obrigado a fazê-lo. Tal omissão, representaria atentado contra os princípios da administração, o que levaria à imprescritibilidade ressalvada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)[17] como exceção à regra constitucional da prescritibilidade.

É relevante perceber, no entanto, que o ato omissivo contido no art. 11, inciso VI da Lei de Improbidade Administrativa (LIA), exige, para além das prática elementar, o elemento subjetivo do tipo, sem o qual não se poderá afirmar que a conduta do agente foi direcionada ao desígnio de causar prejuízo ou de atos de corrupção, sobretudo quando o dolo é único elemento capaz de quebrar a regra constitucional da prescritibilidade, já que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na lei de improbidade administrativa, conforme ficou assentado na tese fixada no RE 852475/SP.[18]

Como afirmou o Min. Luiz Fux[19], não é o ato de um administrador inepto que se traduz em ato doloso de improbidade. Corroborando, o ministro Luís  Roberto Barroso[20], asseverou que, quando está falando de dolo, refere-se a “enriquecimento ilícito, favorecimento ilícito de terceiros ou ao cometimento de dano intencional à administração pública”, de modo que a ausência de prestação de contas, algo até certo ponto corriqueiro no dia a dia das Cortes de Contas pelo país, não parece amoldar-se na mesma visão de dolo capazes de levar a imprescritibilidade que têm os ministros do STF, receosos com qualquer interpretação capazes de conduzir a responsabilização objetiva. Com efeito, na ideia de improbidade está impregnada a eiva da prática de corrupção, como explicou o Min. Alexandre de Moraes no exame do tema 897[21].

Entre os argumentos na TC 019.366/2019-1, destacou-se que a decisão no RE 636.886-AL teve como eixo central a execução do débito perante o Poder Judiciário, sobrelevando-se que a prescrição somente incide sobre o título produzido pela Corte, ou seja, não há qualquer referência ao processo de formação do título executivo. Neste sentido, cita a lei 6.830/80 como norma adequada para a cobrança judicial da dívida ativa da fazenda pública, no interregno de 5 anos, sob pena de prescrição intercorrente.

Como condição de procedibilidade no caso concreto, nos termos da IN/TCU 71/2012[22], o acórdão da Corte administrativa examinou se houve ou não, entre o fato gerador e a citação do responsável, o decurso de mais de 10 anos, concluindo que não haveria prejuízo ao contraditório e à ampla defesa, face a observância do contido no art. 6º, inciso II, c/c art. 19 da aludida instrução normativa, modificada em 2016 pela IN 76.

No TCU, o prazo de 10 anos para prescrição decorre do acórdão 1.441/2016-TCU- Plenário, no qual restou assentado que o art. 205 do Código Civil fornece a melhor integração analógica[23] para contagem do prazo, com termo inicial na ocorrência da irregularidade, art. 189, também do Diploma Civil, com as devidas interrupções em face da citação, audiência ou oitiva dos responsáveis.

Sobre o prazo decenal, cumpre registrar a opinião do Min. Luiz Roberto[24], que mesmo tendo refluído em outros pontos do voto do Min. Alexandre de Moraes, asseverou que o prazo de 10 anos, extraído do código civil, contado da data do fato, acaba sendo menor que o prazo da lei de improbidade, o qual prevê 5 anos após o conhecimento do fato. Conclui que o prazo de cinco anos, contados do fato, é muito mais alargado que dez anos como termo inicial contado do conhecimento do fato.

É relevante pontuar, antes dos fundamentos do TCU acerca do prazo decenal, que o STF no RE 852475[25], estabeleceu que na ponderação entre os princípios da indisponibilidade do interesse público e da segurança jurídica, teria maior peso o prazo prescricional de cinco anos extraído da quadra das pretensões de cobrança relativas a créditos públicos. Como fundamento para essa posição, foram utilizados o art. 23 da lei 8.429/92; o inciso I do art. 142 da lei 8.112/90, art. 53 e 54 da lei 9.784/99, art. 1º e 1- A da 9.873/99; art. 25 da lei 12.846/13 e art. 1º e 2º do decreto 20.910/32, todos com prazo de cinco anos com termo inicial na data em que o fato tornou-se conhecido.

Importa compreender que as lacunas e imprecisões terminológicas da norma, ainda que de jaez constitucional, como é o caso do art. 37 § 5º da CF e a questão dos termos da prescritibilidade do dano ao erário, sempre devem desaguar na completude do sistema jurídico, esse foi o recurso empregado pelo STF ao buscar o conjunto de normas mais adequadas à solução da questão do prazo prescricional, com especial efeito o entendimento de que as normas de direito público referem-se “às coisas do Estado” e as normas de direito privado pertence à “utilidade das pessoas”, remontando essa divisão ao direito romano[26].

Com efeito, no que tange a ponderação entre os princípios da indisponibilidade do interesse público e da segurança jurídica, cabe empregar a “ lei da ponderação”[27], a qual prescreve que quanto maior o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a relevância da satisfação do outro, privilegiando-se o interesse do particular em detrimento do interesse do Estado em prazos mais alargados.

Relevante, sobre os princípios, alcançar, que estes não têm a “ pretensão de exclusividade”, ou seja, o significado real dos princípios se desenvolvem por um processo que envolve complementações e valorações, cujo o conteúdo material deve ser aplicável concretamente. Contudo, não se pode esquecer, que o plano das valorações é mais adequado quando realizado pelo legislador e, somente depois, pelo juiz. Em termos diretos, a questão inerente à prescrição incidente sobre processos em curso nas Cortes de Contas, carece, sim, de atuação legiferante.

Entre os mecanismos de integração da norma, onde apresentam-se o Código Civil e o conjunto de normas referenciado acima, cumpre observar que a melhor saída será a hipótese de aplicação de normas protetivas da pessoa humana, prodigamente previstas na Constituição Federal em forma de princípios, promovendo-se assim a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Contudo, mesmo considerando puramente o interesse público em um prazo mais alongado para apuração, a objeção que se coloca passa necessariamente pela própria utilidade da persecução, passa pela utilidade do procedimento da Tomada de Contas Especiais, que após o decênio dificilmente resultaria em um título executado com êxito reparador do prejuízo experimentado pelo erário, tornado assim, inútil o procedimento. Se todo processo tem que acabar em algum momento, que se finde com boas perspectivas de resultado para o interesse público secundário[28], ao menos.

Consagrado que é, no direito brasileiro, o princípio da soberania da lei escrita, a crítica não está no uso da analogia como busca no sistema jurídico de um mecanismo de integração, mas na escolha da hipótese análoga. Explico. Se a questão possui duplo viés, ou seja, sancionatório e reparador pelo prejuízo sofrido pelo erário público, normas de direito público traduzem melhor situações semelhantes, locus da analogia juris, onde buscou-se uma pluralidade de normas nas quais o prazo de cinco anos era comum em um acervo de diplomas legislativos unidos pelo mesmo pressuposto, a natureza de direito público.

Cumpre perceber, outrossim, que todas as normas relacionadas têm jaez público, assim como os institutos da prescrição e da decadência encerram em si conteúdo de ordem pública e, como tal, devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, sem embargo da oitiva das partes interessadas sobre eventuais causas interruptivas, segundo o que se pode inferir do parágrafo único do art. 487 do CPC.

Um argumento merece destaque, trata-se na inteligência insculpida no Decreto n. 22.910/32 e na lei 9.494/971997, onde resta estabelecido que o particular tem cinco anos para exercitar o seu direito contra a fazenda pública, antes que incida a prescrição, de modo que violaria, segundo pensa o Min. Luiz Fux[29], o princípio isonômico não aplicar o mesmo prazo em face da prescrição que beneficia o particular em face do Poder Público.

Percebe-se que a decisão operou na busca de um atrativo majoritário de correção, conciliando normas, instituições e interesses, o que é necessário para fazer prevalecer o Direito, o qual necessita de consensos fundados e democraticamente consolidados. É até mesmo intuitivo perceber que a racionalidade do discurso jurídico necessita, depende, da correção das assertivas, partindo desde o campo procedimental até chegar ao conteúdo das normas direcionadoras do agir do controle judicial ou administrativo.

De regresso aos fundamentos da TC 019.366/2019-1, voltados à explicação dos prazos alongados de tramitação dos processos em Tomada de Contas Especiais, o relator do voto vencedor no TCU, aduz a impossibilidade do exercício do controle concomitante dos recursos repassados pela União e, associado a isto, expõe as deficiências na instrução dos processos antes de adentrarem no Tribunal Contas, impondo devoluções seguidas dos autos aos órgãos de origem, a fim de que os jurisdicionados não sofram prejuízos no exercício da ampla defesa e do contraditório.

Todas estas ponderações são relevantes e orientam a uma indagação: as proposições normativas sobre Tomadas de Contas Especiais conduzem a resultados processuais válidos? Segundo Stevenson[30] argumenta, a resposta só pode ser considerada verdadeira, se o resultado dos processos, sobretudo quanto a fundamentação, puderem ser considerados “verdadeiros”. Os argumentos são suscetíveis de verificação e, caso confirmem-se, impõe urgente alteração legislativa procedimental que trate não apenas de situações limítrofes, mas que se volte preponderantemente à caracterização dos problemas e das suas consequências no sentido mais amplo, a fim de atingir o maior número de casos.

Outrossim, o discurso jurídico “prático” desenvolve-se sob a perspectiva de resolver questões igualmente “práticas”, ou seja, as realmente existentes. É até certo ponto notório que as Tomadas de Contas Especiais, segundo a metodologia de apuração empregada atualmente, com muita frequência, tangenciam os limites da irrealizabilidade fática. É o que se infere da visão empírica do ministro esboçada no voto.

Com efeito, reitere-se, soluções práticas, instruídas com novas tecnologias jurídicas, devem ser empregadas para que a persecução dos danos ao erário seja reformulada sob novas premissas normativa mais ágeis, as quais priorizem, sobretudo, o controle prévio dos atos administrativos diante da certeza razoável de desvios, ensejando, assim, uma atuação mais eficaz do órgão de controle externo.

Vale ressaltar que, segundo entende o Min. Gilmar Mendes[31], enquanto não prestadas as contas “sequer o prazo decadencial (prescricional punitivo) se inicia, por se tratar de descumprimento de obrigação constitucional. Assim, enquanto persistir o ato omisso inconstitucional, a fiscalização poderá ocorrer independentemente do tempo transcorrido entre a prática do ato ilícito e início da fiscalização. Nessa situação omissiva, há apenas o cômpito decadencial com o início da tomada de contas especial pelo controle interno ou externo”.

Em outros termos, segundo entende, o descumprimento de prazos constitucionais impede a fluência do tempo para efeitos de prescrição, ou seja, a notificação do responsável pelo órgão de controle externo representa interrupção da prescrição punitiva, ou seja, recomeça a contar a contar o tempo do início e somente terá como termo final a decisão condenatória recorrível, nos termos do art. 2º, inciso I e III da lei 9.873/99.

Conclui textualmente o ministro vogal “ Assim, o Tribunal de Contas ou o órgão de controle interno que proceda à Tomada de Contas Especial possui prazo de cinco anos para finalizá-la (decisão condenatória recorrível), sob pena de não poder mais fazê-lo por decurso de tempo razoável para tanto”[32]. Esse mesmo prazo de cinco anos, em se tratando de ressarcimento ao erário fundada em título emanado de Tribunais de Contas, deve ser contada da finalização da TCE até o ajuizamento da ação de execução.

No caso concreto, no exercício de fundamentação do ato praticado pelo gestor na Lei de Improbidade Administrativa, o voto aponta a ausência de prestação de contas como o ato necessário e suficiente, presente na lei de improbidade, para que a imprescritibilidade esteja assentada segundo o entendimento do STF, o qual exige ato doloso improbidade[33].

Apesar disso, há uma questão que merece destaque na TC 019.366/2019-1, a inversão do ônus no que atine a prova do dolo. Explico. É que a compreensão expendida na decisão afirma que “a regulamentação de eventual prescrição dos débitos apurados pelos tribunais de contas, quando advinda, deveria abranger tão somente os casos em que venham a ser reconhecidas a ausência de dolo e/ou culpa tipificada como ato de improbidade administrativa, como ressaltado pelo E. STF”. Ao que parece, quando não há defesa, como é o caso, onde houve revelia, não haveria elementos capazes de provar a boa-fé, remanescendo a conclusão de que a o dolo estaria presente, no que se poderia categorizar como dolo presumido[34].

O mencionado julgado inaugura uma visão bastante interessante, mas pouco presente nos julgados das Cortes de Contas, qual seja, a aferição do dolo do agente causador do prejuízo e a existência ou não de ato de improbidade administrativa como resultado da tarefa constitucional estabelecida no art. 71, inciso II da CF.

Neste sentido, ao examinar o caso concreto, afirma o relator que quando o gestor descumpre a sua obrigação constitucional de prestar contas, age com dolo genérico, pois tinha plena consciência do seu dever e, ainda assim, o descumpriu. Contudo, no âmbito da responsabilização por improbidade administrativa, o STJ[35] já decidiu que para consumação, o desvio da conduta do agente público, como dito, devidamente tipificado em lei, reclama como característica primordial que o exercício indevido das funções, além de afastar-se dos padrões morais, deve visar vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, ainda que sem sucesso.

Na quadra processual, cabe uma digressão para revelar que a codificação do sistema jurídico processual civil pátrio busca, sobretudo após a Lei 13.105/15, uma maior estabilidade e previsibilidade em decisões, espaço no qual a eficácia vinculante atribuída às teses jurídicas dos Tribunais (stare decisis) devem confluir para o ganho de integridade do mencionado sistema (Ataíde Junior, 2012, p.35), locus jurídico onde se encontram radicadas as decisões do STF acerca de repercussão geral, art. 543-A § 5º, 543-B § 2º, em sede de Recurso Extraordinário, versando sobre causas repetitivas, art. 543- B § 3º e 4º, todos dispositivos do CPC.

Na decomposição da essência da tese jurídica, que afirma ser “prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunais de Contas”, Tema 899, no RE 636.886, buscou-se separar as razões da decisão de eventuais considerações não nucleares, categorizadas como obter dicta, ou seja, argumentos importantes para a compreensão da decisão, mas que não representam o seu fundamento jurídico. Isto se faz necessário, sobretudo, para a determinação do alcance vinculante da decisão (binding precedent).

É importante compreender, outrossim, que a tese fixada, como enunciado normativo que é, em boa parte, é resultado de uma compreensão deficitária do Judiciário de enunciados empíricos amplamente comprovados, mas reconhecidos como verdadeiros e provados no estrito campo do Controle Externo. Ainda assim, tal entrave pode ser minimizado por uma regulamentação jurídica que colmate as lacunas das imprecisões da linguagem normativa[36] e direcione-se às peculiaridades dos procedimentos de Tomadas de Contas Especiais.

Sem embargo, ainda remanescerá a possibilidade de casos especiais, que venham a contrariar a literalidade da norma criada especificamente para tratar da prescrição dos Processos de Tomadas de Contas Especiais. É assim, porque Savigny[37] há muito já explicava a existência de relevante distinção entre o elemento gramatical, lógico e sistemático da interpretação.

No caso do RE 636.886, duas das passagens referenciadas despertam especial interesse. Na primeira, recomenda-se a redução do tempo de tramitação, e justifica-se tal recomendação em face do risco de violação de direitos fundamentais. Quanto a isto, toda a base de argumentação na decisão gira em torno do devido processo legal, com especial efeito e destaque no que atine ao ônus da prova dirigido ao jurisdicionado.

Afirma o Ministro Alexandre que, diversamente do que ocorre na ação civil pública por improbidade administrativa, no processo administrativo dos TC, resta ausente a imputação de conduta dolosa de improbidade administrativa, o que, por seus termos, afasta a imprescritibilidade do art. 37 § 5º da CF, em face da impossibilidade de ampla defesa do jurisdicionado.

Em segundo plano, mas ainda sobre a tramitação dos processos nas Cortes de Contas, indica o Ministro como solução que, verificando dos TC (s) emergir elementos de atuação consciente e dolosa, ou seja, ambiente da improbidade administrativa, a providência administrativa correta é o encaminhamento para o Ministério Público com vistas à propositura da ação civil.

Percebe-se que a ratio decidendi, no RE 636.886, funda-se na oportunização do devido processo legal na quadra administrativa e que, nas duas passagens, a argumentação oferecida no voto tem a mesma base jurídica, ou seja, um processo objetivo – Tomada de Contas Especial- onde a imprescritibilidade não tem vez ante a ausência de imputação do ato doloso de improbidade, além, é claro, da inversão do ônus da prova natural desta espécie de processo administrativo.

É necessário pensar na ratio decidendi com elevada carga de facticidade. Em termos mais prosaicos, não há como desconectá-la do conjunto de situações concretas que lhe serviram como base de sustentação. Veja-se a seguinte indagação: se os processos em curso nas cortes de contas tivessem a clara imputação do ato doloso de improbidade administrativa, se o ônus da prova nos processos de tomada de contas especiais coubesse aos Tribunais de Contas e não aos jurisdicionados, tais considerações tecidas e contrárias ao devido processo legal administrativo teriam sido empregadas pelo ministro relator? Mais ainda, a decisão teria sido a mesma? Ao que parece, as duas passagens são arrastadas pelo teste da inversão da Teoria de Wambaugh[38], ou seja, os argumentos da resposta são tão contundentes que, sem eles, a própria decisão seria diferente.

É dizer, de outra forma, excluindo-se a abordagem do processo de tomada de contas especiais[39], notadamente quanto aos defeitos apresentados no acórdão – incompletude do devido processo legal no âmbito da tramitação nas Cortes de Contas, pela própria natureza que lhe reveste, não haveria possibilidade de alcance da conclusão material derradeira, a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunais de Contas.

É inafastável que as premissas normativas empregadas na justificação da decisão foram as mesmas empregadas em resposta aos argumentos trazidos pela AGU ao processo, mesmo reconhecendo o seu caráter de acessoriedade que, a um só tempo, se superpõe ao argumento central, a ratio decidendi.

 A fim de dar concretude ao argumento, vale observar o voto do vogal do RE 636.886. Ao delimitar o tema proposto, estabelece, para a resolução do problema, três questões. A primeira, se há prescritibilidade ou não da cobrança fundada em condenação emanada dos Tribunais de Contas; a segunda, se incide prescrição intercorrente e, a terceira, ante a eventual prescritibilidade, qual seria o prazo aplicável.

A tese foi definida na primeira questão, ou seja, há prescrição incidente sobre execução de título produzido nas Cortes de Contas, contudo, ao tratar do prazo prescricional, o ministro Gilmar Mendes, trata do prazo quinquenal entre a data da prestação de contas e o início da fase preliminar de tomada de contas especial; do prazo que incidente uma vez iniciada a tomada de contas pelo órgão de controle interno ou externo, ainda na fase preliminar, inicia-se o prazo do zero até a decisão condenatória recorrível  e/ou da decisão do Tribunal de Contas, novo prazo prescricional para o ajuizamento da correspondente ação de execução.    Por tudo o que fora dito, cumpre agora, nesta passagem do presente ensaio, tratar do alcance do raciocínio jurídico posto em operação e os seus limites. De fato, o voto vencedor no RE 636.886/20 não foi textual, expresso, sobre a incidência da prescrição dos processos em curso nas Cortes de Contas, contudo o percurso intelectual dos argumentos empregados sugerem que as mesmas razões de decidir que levam à prescrição dos títulos produzidos pelas Cortes de Contas, não podem resultar em melhor sorte à própria apuração, de modo que o procedimento voltado à persecução do dano, no ambiente das Tomadas de Contas Especiais, não está blindado à ação do tempo.

Com especial efeito, entre as razões articuladas no voto vencedor, o devido processo legal exerce um papel fundamental em sua feição material, ou seja, a capacidade de proteção contra o arbítrio, concretizado em um processo infinito e, sobretudo, sem a caracterização do ato doloso de improbidade devidamente revelado ao jurisdicionado, ao que se defende diante do poder do Estado que exige ressarcimento, impondo, por conseguinte, um dever de guarda também infinito no tempo e indefinido quanto ao alcance dos documentos capazes de provar a regularidade das suas contas, o que é desarrazoado, desproporcional e, portanto, impraticável.

Carlos Maximiliano, em uma alegoria de extrema clareza, afirma que a relação entre o legislador e o juiz é idêntica à existente entre o dramaturgo e ator; este não se limita à “reprodução pálida e servil”, mas imprime um “traço pessoal à representação”. A relevância desta construção diz respeito ao compromisso do juiz que vai além da aplicação mecânica de dispositivos, no caso, constitucionais, mas atinge o resultado útil à sociedade, mediando assim entre o direito do Estado fiscal e a expectativa individual do Devido Processo Legal efetivo.

Conclusões

A decisão do STF, no RE 636.886-AL, acerca da prescrição do título produzido pelo Tribunal de Contas da União, com efeitos irradiantes, em face da simetria constitucional, para todos os Tribunais de Contas do Brasil, tem como ponto central, e de partida, a reflexão sobre o problema da prescritibilidade ou não, em face de um sistema constitucional que tem como supedâneo ideológico estabilizador a prescrição como postulado jurídico certo, indiscutível e necessário para o funcionamento do direito.

O ensaio deteve-se sobre um aspecto marginal ao tema descrito acima; voltou-se ao exame dos argumentos laterais com repercussão sobre a prescritibilidade do direito do TCU apurar, em Tomadas de Contas Especiais, os danos causados contra o erário público. Neste intento, foram observadas as respostas da mais alta Corte Judicial do país à provocação da AGU, a qual trouxe a possibilidade de prescrição de mais de 7 bilhões em prejuízos, caso o prazo prescricional de 5 anos fosse firmado, v.g, entre a autuação no TCU e a data do fato gerador, mais de 60% dos processos já estariam prescritos.

Em seus argumentos, o STF aconselhou agilidade de tramitação e superação dos entraves causadores da morosidade na fase anterior aos ingressos dos processos de Tomadas de Contas Especiais no TCU, pois o problema não consentiria resposta legítima que sacrificasse direitos fundamentais dos indivíduos em razão da demora, e como forma de compensação da ineficiência da máquina pública. Numa perspectiva resumida, indicou caminho às objeções suscitadas na apuração em ações civis públicas, em face de atuações dilapidatórias conscientes e dolosas, onde o agir doloso devidamente apurado, estaria submetido à imprescritibilidade do dano.

O texto procurou examinar, na Tomada de Contas Especial 019.366/2019-1, processada no Tribunal de Contas da União, a partir do ponto de vista diretivo judicial vinculante, como se estabilizaram os postulados contingentes diante da evidência consumada de que não existem, fora das exceções constitucionais, processos insuscetíveis à ação do tempo.

Segundou observou-se, a Corte de Contas identificou na omissão dolosa da devida prestação de contas, um ato doloso de improbidade administrativa, tipificado no art. 11, inciso VI, capaz de levar a imprescritibilidade do dano causado pela prefeitura de Campinorte/GO, na importância aproximada de R$ 130 mil reais. Contudo, a opção decisória parece não encontrar arrimo no pressuposto de partida da compreensão judicial, segundo a qual o ato doloso refere-se a “enriquecimento ilícito, favorecimento ilícito de terceiros” apto a “causar dano intencional à administração pública”, segundo se extrai do RE 852475 [40], página 121, onde firmou-se a tese no tema 897.

Uma outra questão relevante trada à orla da razão de decidir do Tema 899, foi a questão do prazo para prescrição, se decenal ou quinquenal. O pensamento jurídico da Corte de Contas, TC 019.366/2019-1, estrutura-se por meio de integração analógica com o art. 205 do Código Civil. Contudo, a compreensão judicial, composta por um conjunto de normas de direito público, v.g., o art. 23 da lei 8.429/92; o inciso I do art. 142 da lei 8.112/90, art. 53 e 54 da lei 9.784/99, art. 1º e 1- A da 9.873/99; art. 25 da lei 12.846/13 e art. 1º e 2º do decreto 20.910/32, entende como mais adequado o prazo de 5 anos, isto em razão da ponderação entre os princípios da indisponibilidade do interesse público e da segurança jurídica.

Ainda no esforço de justificar o prazo de 10 anos para apuração, aduz-se na TC 019.366/2019-1, a impossibilidade de apuração dos danos causados no curso do decênio em razão das deficiências de apuração na fase que antecede o ingresso dos processos de tomadas de contas no TCU. No entanto, quanto a isto, cumpre reprisar o pensamento do relator do RE 636.886, segundo o qual pensa não “ser legítimo o sacrifício de direitos fundamentais do indivíduo, como forma de compensar a ineficiência da Máquina Pública.

Conclui-se que há necessidade, uma vez confirmados os argumentos tangentes as aludidas deficiências, suscetíveis de verificação empírica, de instituição de novas premissas normativas de apuração dos danos ao erário por meio de ferramentas metodológicas que privilegiem o resultado almejado, afastando-se da irrealizabilidade fática descrita no voto derivado da TC 019.366/2019-1.

Cumpre considerar, na tarefa de elaboração normativa, as posições trazidas pelo Min. Gilmar Mendes, no RE 636.886, as quais tratam de maneira bastante elucidativa sobre a fluência do tempo para efeito da contagem dos prazos prescricionais, tecendo importantes apontamentos sobre causas suspensivas e interruptivas dentro do quinquênio, com base na lei 9.873/99.

Por último, é relevante observar que o TCU abordou o ponto central da controvérsia sobre a imprescritibilidade, ou seja, a possibilidade de apuração, no campo administrativo, do ato doloso de improbidade administrativa capaz de ensejar a imprescritibilidade. Contudo, no RE 636.886 articulou-se que o problema prático reside sobretudo na ausência de imputação, nos processos administrativos, de atos dolosos de improbidade, o que por si traz prejuízo ao devido processo legal pelo déficit de defesa que o acusado sofre, mas além disso, a inversão do ônus da prova, ocasiona uma dificuldade adicional em relação ao processo judicial, onde cabe ao órgão acusador a prova plena do que alega, remanescendo, ainda, o benefício da dúvida em prol do acusado.

 

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_____. Recurso Extraordinário n º 852475 . São Paulo. Recorrente: Ministério Público de São Paulo. Recorrido: Antônio Carlos Coltri e outro. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Brasília, 08 ago. 2018.

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[1] Na teoria dos jogos, representa uma dinâmica em que as perdas de um jogador correspondem aos ganhos do outro. FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p.34

[2] Doutor em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Graduado no Curso de Comunicações pela Academia Militar das Agulhas Negras e em Direito pela Universidade de Fortaleza. Conselheiro Titular da Segunda Relatoria do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins. Sócio fundador do Instituto de Direito Aplicado ao Setor Público – IDASP. Professor do Centro Universitário Maurício de Nassau –UNINASSAU – Campus Palmas.

[3] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado: parte geral. 3 ed. Rio de Janeiro: Borsói, 1970, Tomo VI, p. 100.

[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 30ª Edição. Rio de Janeiro, Forense, 2017, p. 38.

[5] Segundo Sanches trata-se de um “princípio orçamentário clássico, de origem francesa, segundo o qual todas as receitas e todas as despesas devem ser incluídas na lei orçamentária”. SANCHES, Osvaldo Maldonado. Dicionário de orçamento, planejamento e áreas afins. 2. ed. atual. e ampl. Brasília: OMS, 2004, p. 372.

[6] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 636.886 Alagoas. Recorrente: União. Recorrida: Vanda Maria Menezes Barbosa. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Inteiro Teor do Acórdão. Brasília, 20 de abril de 2020, p. 29-40.

[7] O dispositivo em questão trata da prescrição intercorrente que ocorre nas execuções levadas a efeito no rito da lei de execuções fiscais onde, como o processo de execução dos títulos expedidos pelos tribunais de contas em razão de danos apurados contra o erário, a advocacia pública permanece inerte fazendo com que a pretensão estatal de reparação se perca.

[8] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 636.886 Alagoas. Recorrente: União. Recorrida: Vanda Maria Menezes Barbosa. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Síntese do Memorial da Advocacia Geral da União. Brasília, 16 de abril de 2020, p. 2-3.

[9] Foi fixada a seguinte tese: “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”.

[10] BRASIL, Superior Tribunal Federal, op. cit., p. 29-40.

[11] Segundo leciona o administrativista Jacoby  sobre a Tomada de Contas Especial e a prestação de contas, “A tomada de contas e a prestação de contas nada mais são que um conjunto de demonstrativos contábeis e gerenciais elaborados pelo órgão de contabilidade com a participação do controle interno e do gestor ou gestores responsáveis.”

Jacoby explica ainda que a “Tomada de contas especial é um processo excepcional de natureza administrativa que visa apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário”. Ainda nesse mesmo entendimento, o referido administrativista leciona sobre as fases da Tomada de Contas Especial, “[…] é, na fase interna, um procedimento de caráter excepcional que visa determinar a regularidade na guarda e na aplicação de recursos públicos e, diante da irregularidade, na fase externa, um processo para julgamento da conduta dos agentes públicos”.  FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de contas especial: processo e procedimento nos tribunais de contas e na administração pública. 7. ed. Belo Horizonte : Fórum, 2017.p. 53.

[12] No RE 852.475/18, apreciando o tema 897 da repercussão geral, fora firmada a tese de que “ são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificada na lei de improbidade administrativa”

[13] BRASIL, Superior Tribunal Federal, op. cit., p. 16

[14] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Tomada de Contas Especial nº 019.366/2019-1. Interessado: Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues. Acórdão nº 1482/2020 – Plenário. Brasília, 10 de junho de 2020.

[15] Decreto-Lei 200/1967: “Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes. ”

[16] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula 282. In: Súmulas nº 001 a 289. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A25753C20F0157679AA5617071&inline=1. Acesso em 07 ago. 2020.

[17]É interessante perceber que a decisão, ao mesmo tempo que busca adequar-se a tese de imprescritibilidade, quando há ato de improbidade, neste caso, culpa grave, não deixa de mencionar o MS 26210/08, o qual estabeleceu o entendimento de imprescritibilidade com fulcro no art. 37, § 5º da CF, indistintamente, sempre que em questão as ações de ressarcimento ao erário fundadas em débitos oriundos apreciados nas Cortes de Contas.

[18] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n º 852475. São Paulo. Recorrente: Ministério Público de São Paulo. Recorrido: Antônio Carlos Coltri e outro. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Brasília, 08 de agosto de 2018.

[19] BRASIL, op. cit., p. 121.

[20] BRASIL, op. cit., p. 151.

[21] BRASIL, op. cit., p. 125.

[22] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Instrução Normativa nº 71 de 28 de novembro de 2012.  DOU de 05/12/2012 (nº 234, Seção 1, pág. 120).

[23] O emprego do código civil como fonte formal para obtenção do prazo prescricional de 10 anos não reflete a imperatividade que as normas de ordem pública possuem, pois estas são essencialmente cogentes, afastando-se do caráter permissivo e supletivo que as normas de índole privada possuem, contexto onde o código civil se insere.

[24] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n º 852475, op. cit., p.50.

[25] BRASIL, Superior Tribunal Federal, op. cit., p. 106.

[26]Ius publicum est quod ad statum rei romanae spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem” (Digesto, Livro I, Título I, § 2º)

[27] Alexy formulou uma lei que se aplica a todas as ponderações de princípios, a chamada “lei da ponderação”, que prescreve que quanto maior é o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro. ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón práctica. Tradução Manuel Atienza. Doxa, Alicante, Espanha, v. 5, p. 139-150. Disponível em: https://rua.ua.es/dspace/bitstream/10045/10871/1/Doxa5_07.pdf  Acesso em: 30 jul. 2020.

[28] O interesse público primário alcança o interesse da coletividade e tem supremacia sobre o particular, contudo há também o interesse público secundário, voltado ao interesse patrimonial do Estado. ANDRADE, Flávia Cristina Moura de. Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

[29] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n º 852475, op. cit., p. 55.

[30] STEVENSON, Charles Leslie. The Emotive Meaning of Ethical Termes. Mind, 1937. Volume XLVI, Issue 181, p. 14–31.

[31] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 636.886, op. cit., p. 23.

[32] BRASIL, op. cit., p. 25

[33] Tema 897 “são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.

[34] Em reforço ao argumento cita julgados da justiça eleitoral, onde o atraso na prestação de contas é tipo como ato de improbidade administrativa, revelando-se assim a conduta dolosa do agente. (Recurso especial eleitoral 15.828, rel. Min, Tarcísio Vieira de Carvalho neto, j. 26/6/2019.

[35] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n º 852475, op. cit., p. 10.

[36] KARL, Larenz. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. 3 ed. Berlim, Springer, 1960, p. 154.

[37] SAVIGNY, Friedrich Carl Von. System des Heutigen Römischen Rechts, trad. franc. de M. Ch. Guenoux, Traité de Droit Romain, vol. 1, Paris, Librairie de Firmin Didot Fréres. 1855, p. 1-6.

[38] Difundida no final do século XIX, recebeu tal denominação por ter sido desenvolvido pelo professor americano Eugene Wambaugh. É uma técnica de inversão, que trata a ratio decidendi como uma regra geral em cuja ausência o caso seria decidido de outra forma.

WAMBAUGH, Eugene. The study of cases: a course of instruction in reading and stating reported cases, composing head-notes and briefs, criticising and comparing authorities, and compiling digests. Boston: Little, Brown and Company, 1892, p. 6.

[39] Teoria dos Fatos Materiais, de Goodhart, revela-se no caso Rylands v. Fletcher. Concretamente, Fletcher celebrou um contrato de empreitada para construção de um reservatório, contudo houve inundação da propriedade vizinha. Ao descrever os fatos, Goodhart, enumera os elementos mais relevantes: 1) Fletcher tinha um reservatório em sua propriedade; 2) o empreiteiro contratado agiu com negligencia; 3) a água causou prejuízos. Contudo, ao decidir, a Corte ignorou à negligência do empreiteiro, logo, qualquer responsabilização que recaísse sobre Fletcher se constituiria em responsabilização objetiva.  MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 226-227

[40] BRASIL, Superior Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n º 852475, op. cit., p. 121