Confira abaixo a íntegra de matéria publicada pelo Jornal Zero Hora:
Quanto deve ser a tarifa na Capital?
A névoa de dúvidas sobre as passagens de ônibus na Capital começa a se dissipar. Para muitos uma caixa-preta, a planilha tarifária e os cálculos do valor do bilhete passam há um ano pelo pente-fino de uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) que por duas vezes influenciou a fixação da tarifa.
Batizada de Informação 008/2013, a mais recente conclusão dos auditores permite deduzir que, por coincidência, os R$ 2,80 desembolsados hoje pelo usuário comum seriam o preço correto. Nas explicações ao tribunal em julho, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) calcula que, segundo a metodologia imposta pelo órgão, a tarifa técnica seria de R$ 2,7913. O Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa) sustenta que o bilhete deveria ser de R$ 3,06. A disputa por R$ 0,26 significa uma diferença de R$ 157 mil por dia.
O motor da discussão é a interpretação sobre qual frota utilizar na fórmula para calcular o Percurso Médio Mensal (PMM), indicador que influencia no valor do bilhete. Para o TCE, o certo é a frota operante. Para as empresas, o número total de ônibus, incluindo os reservas – uma desavença de 161 carros.
A auditoria prossegue e deve ser finalizada ainda este mês com a análise de outros pontos solicitada pelo Ministério Público de Contas (MPC), como a margem de lucro das empresas, o uso de recursos da Câmara de Compensação Tarifária (CCT) e possíveis inconsistências na cotação de insumos. Mas a expectativa é que as conclusões não causem nova alteração na tarifa, e sim sirvam de base principalmente para a revisão da planilha tarifária. Revisão que deveria ser feita a cada cinco anos, mas ocorreu pela última vez apenas em 2003.
Zero
É a exigência do Bloco de Luta pelo Passe Livre. O grupo quer tarifa zero para estudantes de qualquer nível (Ensino Fundamental, Médio e Superior), desempregados, integrantes de comunidades quilombolas e indígenas. Iniciativa seria financiada com a criação de fundo, sem onerar a passagem dos usuários pagantes ou novas isenções tributárias. Após o episódio de invasão da Câmara pelo movimento, o presidente do Legislativo municipal, Thiago Duarte (PDT), enviou o texto como sugestão para um possível projeto do Executivo tratando do tema, mas há poucas chances de a iniciativa prosperar.
R$2,10
Levando-se em consideração a metodologia utilizada pela EPTC que fez a tarifa da Capital ser fixada em R$ 3,05, o preço da passagem este ano em Porto Alegre poderia ser de R$ 2,10 se as gratuidades fossem excluídas, calculou o TCE. Ou seja, se todos os usuários pagassem. As gratuidades representaram 31,28% dos passageiros ano passado, ante 27,63% em 2011. Para diminuir o percentual, a EPTC promete uma revisão das gratuidades. Um nível considerado razoável é de 24%. Entre as alternativas para compensar os não pagantes e baixar as tarifas estão os subsídios públicos e a criação de outras fontes como fundos, irrigados com dinheiro de tributação exclusiva para financiar o transporte público. Como o valor calculado ainda não levava em consideração a isenção posterior de ISSQN e a análise do TCE que apontou uma diferença de R$ 0,08 entre o apurado pela EPTC (R$ 3,0698) e o recálculo do TCE (R$ 2,9857), sem as gratuidades a tarifa final, arredondada, poderia chegar a R$ 2.
R$2,71
Poderia ser a tarifa da Capital ano passado caso fossem considerados apenas os custos do Conorte, considerado o consórcio mais eficiente de Porto Alegre. A projeção leva em conta o Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK) médio dos três consórcios e da Carris. O valor é 6% menor que o da tarifa técnica calculada de R$ 2,88 ano passado, número referência para a prefeitura fixar o preço da tarifa em R$ 2,85.
R$2,80
É o preço atual da passagem e, por coincidência, próximo ao calculado pela EPTC (R$ 2,7913) ao adotar a metodologia imposta pelo TCE. A tarifa, no entanto, chegou aos R$ 2,80 por outro caminho. Primeiro, por decisão da Justiça, que no dia 4 de abril, viu “fortes indicativos de abusividade no aumento” e mandou o bilhete retornar para R$ 2,85, valor de 2012. Depois caiu mais R$ 0,05 pela proposta da prefeitura, aprovada pela Câmara de Vereadores no dia 2 de julho, de isentar o serviço de ISSQN. Para chegar aos R$ 2,7913, os auditores do tribunal levaram em consideração a frota de ônibus operante (1.540 veículos), e não a frota total (1.701), que conta com os carros reserva para calcular o Percurso Médio Mensal (PMM) e outros pontos que impactam na tarifa como remuneração e depreciação de frota e pró-labore da diretoria.
R$2,85
Poderia ser o valor arredondado caso prevalecesse a visão da EPTC que, em julho, em esclarecimentos prestados ao TCE, apurou que a tarifa técnica da Capital deveria ser de R$ 2,8406. Apesar da conclusão, a EPTC considera consolidado o valor atual de R$ 2,80 e não vai lutar para que o seu cálculo seja reconhecido. A raiz da discordância em relação ao método do TCE está no cálculo da depreciação e remuneração da frota. Enquanto a interpretação dos auditores do órgão é que neste caso também deve ser utilizado no cálculo apenas a frota operante, para a EPTC o correto seria a frota total. A alegação é que, se as empresas contam com veículos em condições de operar, há custos com manutenção e eles também se depreciam.
R$3,06
É o defendido pelo Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa). Os R$ 0,26 de diferença em relação ao valor desembolsado hoje pelo usuário se referem novamente à discordância quanto ao uso da frota total ou da operante nos cálculos. A entidade briga na Justiça para que seja reconhecida a metodologia anterior, que considera a frota total no cálculo do Percurso Médio Mensal (PMM), indicador que impacta no preço da tarifa. Além de sustentar que há amparo na legislação, o Seopa usa argumentos técnicos baseados em estudos anteriores e em novos pareceres assinados por cinco especialistas em transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
R$3,55
Simulação do TCE indica que, caso o preço da passagem de ônibus da Capital fosse calculado levando em consideração os custos da Carris com o IPK médio do sistema, a tarifa ano passado na Capital seria de R$ 3,55. Ou seja, as características da centenária empresa pública pressionam a tarifa na Capital. O valor maior decorre da frota mais qualificada em comparação com as outras 12 empresas dos três consórcios privados que operam na Capital e das despesas mais elevadas. A Carris é a empresa que mais possui veículos com ar-condicionado, é a única com ônibus piso baixo, que permite maior conforto e melhor acessibilidade. Mas, em média, seus carros custam 8,15% a mais e o consumo de combustível é 19% superior às demais empresas, têm manutenção mais cara, além de despender mais com pessoal e gastos administrativos. O melhor IPK da Carris (2,43 ante média de 1,89 do sistema) ainda impede uma pressão maior na tarifa.
A CONTA DA DISCÓRDIA
O principal ponto de divergência entre a tarifa atual de R$ 2,80 e o valor defendido pelas empresas, de R$ 3,06, é qual frota utilizar nos cálculos que apuram o Percurso Médio Mensal (PMM) e outros fatores que impactam na tarifa, como depreciação dos veículos.
Enquanto o TCE defende o uso da frota operante, as empresas sustentam que o correto seria utilizar a frota total (operante mais reserva).
Os exemplos
Cidades que subsidiam o transporte público para a tarifa não ser mais alta
São Paulo
Fonte: orçamento geral
Vantagem: redução da tarifa ao usuário
Desvantagem: compromete parcela do orçamento geral do município
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Londres, Estocolmo e Cingapura
Fonte: usuário do automóvel, que paga taxa sobre uso da via sujeita a congestionamento
Vantagem: obriga o usuário do transporte individual a pagar por usar vias ou regiões de tráfego mais intenso
Desvantagem: difícil operacionalização e resistência em pagar por algo que atualmente é gratuito
Fonte: Zero Hora