TCE Ceará – Soraia Victor: “Se você quer discutir de igual para igual, tem que ser bom de igual para igual”

Primeira conselheira mulher do TCE-CE, Soraia Victor é relatora das contas do governador Camilo Santana da gestão 2021


Rodrigo Rodrigues – Jornal Opinião CE

Quais os principais desafios vividos por uma mulher que desbrava espaços ocupados majoritariamente por homens? O que a figura feminina pretende deixar como marca de gestão? Quais aspectos essa mulher julga essenciais para transformar a instituição que representa? São perguntas fundamentais, mas que passam longe de definir inteiramente quem é Soraia Thomaz Dias Victor, a primeira conselheira da história do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE). Aos 61 anos, Soraia é corredora, casada há quatro décadas, mãe de dois filhos e “vovó coruja” de dois netinhos.

Com quase 20 anos ocupando o cargo na Corte cearense, a conselheira foi sorteada, em janeiro último, para relatar as contas do Governo Camilo Santana (PT) referentes ao exercício de 2021. Soraia, que também foi relatora do exercício de 2014, recebeu o OPINIÃO CE em sua sala, na sede da instituição no Centro, em Fortaleza. No diálogo, a relatora mostrou medalhas frutos das maratonas de corridas cumpridas no Ceará e países afora e compartilhou os desafios de ser a primeira mulher conselheira da instituição cearense. Confira.

OPINIÃO CE – Qual a trajetória profissional da senhora até chegar ao TCE?

Soraia Victor – Eu sou engenheira. Trabalhei na área, inclusive no Estado. Nos idos de 90 e alguma coisa, fui diretora de Engenharia da Secretaria da Educação e liderava só homens. Já tenho um histórico de liderar e trabalhar com homens. Fiz também a faculdade de Economia, não concluí, mas vou terminar de dar esse nó. Também trabalhei na área, porque fui subsecretária de planejamento do Estado do Ceará. Por último, fiz Direito. Se você quer discutir de igual para igual, tem que ser bom de igual para igual. No grito não vai. Vai no argumento. Eu argumento e defendo com muito fervor todos os votos que faço porque são neles que acredito. Aí você pergunta se eu planejei tudo isso. Não foi bem assim, né? Meu planejamento era continuar na Engenharia, mas a vida vai mudando os rumos e acabei parando aqui. O engraçado é que o Tribunal de Contas é sonho de consumo de todo mundo, mas não era algo que, se dissessem: Soraya, você vai brigar por isso? Eu diria, ‘legal’, mas não era aquela coisa, sabe? Só faço as coisas quando me apaixono. Já que vou para lá [TCE], vou dar o melhor que posso. Vai incomodar muita gente? Ok! Faz parte do processo.

OPINIÃO CE – Toda essa trajetória foi construída aqui no Ceará?

Soraia Victor – Tudo aqui no Estado, até porque me casei muito nova, mas nada impediu que eu fosse fazer todas as coisas que eu queria. Já sou sexagenária, tenho 61 anos, e fiz tudo que, talvez hoje, a turma mais nova, de uma geração depois da minha, tenha condições de fazer.

OPINIÃO CE – A senhora foi a primeira mulher a ocupar o cargo de conselheira do TCE, em 2003. Qual o tamanho dessa responsabilidade?

Soraia Victor – Normalmente, os Tribunais de Contas são muito masculinos. Só para ter uma ideia, quando cheguei aqui, o Plenário só tinha um banheiro masculino. Se quisesse ir ao banheiro, tinha que subir e procurar outro canto. Ou seja, eles nem previam a possibilidade de vir uma mulher, para você ver. Realmente é uma instituição muito masculina e, como a gente trabalha com argumentos, para ganhar no voto tem que ser realmente muito bom. E digo mais: mulher tem que ser melhor ainda. Precisa ser melhor que qualquer um para conseguir fazer a sua argumentação e ser ouvida. Ser ouvida é o mais importante. Mesmo que você perca, a sociedade está ouvindo, as pessoas estão vendo. Ninguém perde por defender um ponto de vista.

OPINIÃO CE – O que mudou nessa estrutura?

Soraia Victor – Nos últimos tempos, já temos [mais mulheres]. No último levantamento que fiz dá algo em torno de 30%. Não é fácil. O Tribunal de Contas é um órgão que está na Constituição, mas a sociedade não conseguiu compreender bem a sua função. É um órgão onde todas as pessoas da sociedade deveriam olhar com muito carinho porque é aqui onde você vê o rumo que o dinheiro público está tendo. Não estou falando de arranjos políticos. Estou falando da parte bem prática. Você tem um valor de orçamento que é distribuído em todas essas ações e você consegue ver, através do orçamento, onde o Governo está priorizando ou não priorizando. É um local de cidadania. Mas aí você diz: Soraya, o orçamento a gente vê e não entende. É verdade. Por isso o Tribunal tem que trabalhar cada vez mais com um linguajar mais fácil para conseguir atingir a todos na sociedade.

OPINIÃO CE – Como é voltar a relatar essas contas?

Soraia Victor – O desafio continua grande, mas, para a minha alegria, o Tribunal, aos trancos e barrancos, aperfeiçoou a forma de trabalhar. Para ter uma ideia, em 2014, quando saiu o parecer prévio com ‘regular com ressalvas’, eu perdi, porque o Tribunal não aceitava ressalvas. Hoje em dia, a ressalva passou a ser normal e corriqueira. Por isso estou vendo o copo meio cheio, porque é avanço.

OPINIÃO CE – A senhora foi presidenta no biênio 2004-2005. Quais os principais avanços na sua gestão?

Soraia Victor – Cheguei com uma quantidade de processos enorme, com uma informatização que deixava muito a desejar. O primeiro planejamento estratégico do Tribunal de Contas do Ceará foi feito na minha época. E tive que ouvir, de algumas pessoas: ‘a Soraya quer se perpetuar no poder fazendo um planejamento para os anos que ela nem vai ser presidente’. Tomei um susto, né? Mas é assim. As dificuldades que tive naquela época só com o Tribunal de Contas do Estado, quando juntou TCE e TCM [Tribunal de Contas do Município], a sensação que tive foi de: ‘eu já vi isso’. Estamos falando de 2017, 2018. Por isso entendo que Tribunal não é para ter eleição. Por que fui presidente, naquela época? Porque era um rodízio. Era presidente quem nunca tinha sido e tinha um rodízio até todos serem presidentes. Essa experiência é importante. É uma das minhas bandeiras.

OPINIÃO CE – Durante a pandemia, o TCE, assim como aconteceu com quase todas as áreas, precisou suspender as atividades presenciais. Como foi para a senhora?

Soraia Victor – Consegui fazer do limão uma limonada. Uma das coisas que mais amava era, por exemplo, às 7hrs da manhã, ter a Santos Dumont toda para mim. Saía de casa, pegava a Santos Dumont, ia até a Dioguinho, voltava. Era toda minha. Consegui encontrar uma forma de fazer o que eu gostava, me resguardar quanto à doença, porque eu corria sozinha. Para mim, a pandemia foi uma reconstrução. Até então, eu tinha 30 maratonas, mais de 60 meias-maratonas, mas nunca tinha me desafiado a longas distâncias. E hoje é isso que faz os meus olhos brilharem. Também tenho outros hobbies, viu? Gosto de bicicleta, de natação, de correr atrás dos netos.

OPINIÃO CE -2022 é ano eleitoral e ainda mantém um cenário de atenção para a pandemia. Qual sua expectativa para esse ciclo?

Soraia Victor – Já estamos no terceiro ano [de pandemia], botando a cabeça do lado de fora, mas ainda com muita dificuldade. O que agrava ainda mais essa polarização [política] é o fato de você ter que ficar muito tempo dentro de casa remoendo as coisas. Mas, como sou otimista, acho que vamos encontrar um caminho. Vamos ter muita ‘rede social’, com muita verdade e muita mentira; e muitos agrupamentos. Como as próprias redes sociais trabalham de uma forma a agrupar pessoas com o mesmo pensamento, a gente vai ter que conseguir uma forma de romper isso. Acho que a gente consegue.


FONTE/CRÉDITOS: Rodrigo Rodrigues – Jornal Opinião CE