Tribunais de Contas: é preciso saber reformar

Tribunais de Contas: é preciso saber reformar
 * Valdecir Pascoal

O aprimoramento dos Tribunais de Contas pode acontecer por dois caminhos, não excludentes.

Em primeiro lugar, conferindo maior efetividade ao atual modelo constitucional de controle externo. Os consistentes resultados alcançados pelo “Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas” (QATC/MMD-TC), coordenado pela Atricon, são um exemplo cabal e concreto de avanços e boas práticas que decorrem desse vigoroso e exemplar esforço sistêmico.

Há, contudo, a possibilidade de uma outra rota transformadora que pode acelerar a busca pela excelência institucional. Trata-se de uma reforma constitucional que priorize os seguintes pilares: a criação de uma instância externa de controle disciplinar e administrativo para esses órgãos; o aperfeiçoamento de sua forma de composição; o fortalecimento da auditoria e do Parquet Especial e a previsão de uma lei geral processual de controle externo. Há respeitáveis propostas de Emendas à Constituição em tramitação que enfrentam essas questões.

Com efeito, não são empreitadas simples, mas verdadeiras “caminhaduras”.  A propósito da reforma, cujo debate vem ganhando corpo, mesmo que se vislumbre um cenário menos desfavorável à discussão de uma mudança constitucional dessa envergadura no atual Congresso Nacional, um erro de estratégia e de condução nas discussões internas, com o Parlamento e a sociedade podem implicar, desde já, o seu malogro.

Neste sentido, revela-se fundamental e premente evitar posturas e atitudes que possam criar entraves górdios e comprometer as chances de aprovação de uma boa reforma constitucional dos Tribunais de Contas. Eis alguns exemplos:

I – Não reconhecer que o modelo de controle externo constituído por “Tribunais de Contas”, conforme concebido por Rui Barbosa nos primórdios da República, é o mais consentâneo para o nosso país. Há posicionamentos de “reformistas” que, a rigor, alinham-se mais às teses daqueles que apregoam a extinção pura e simples desses Tribunais;

II – Deixar de enaltecer os avanços que ocorreram em todo o sistema Tribunais de Contas após a Constituição de 1988. O legítimo desejo de mudança não pode valer-se de estratégias “darwinistas” ou de corporativismos, que costumam jogar potentes refletores sobre as mazelas institucionais e simples lamparinas sobre as conquistas e avanços. Esse reconhecimento, a despeito de não obstar a discussão sobre aperfeiçoamentos, é gesto digno e um dever de justiça com todos os agentes do controle externo que trabalham com seriedade e eficiência;

III – Fechar os olhos para as crises, os problemas e desafios que existem no sistema de controle externo, assim como não ter a consciência de que a excelência institucional deve ser uma busca permanente, de todos os segmentos, e que demanda profunda autocrítica, discussão ampla, tensões construtivas e a consequente prescrição de vacinas/remédios (alguns deles amargos) a todos os Tribunais e agentes que integram o sistema, sem exceção;

IV – Ignorar os mais diferentes contextos institucionais dos 33 Tribunais de Contas brasileiros. Existe vida fora de Brasília! Existem outras realidades fora do “meu” Tribunal! Nada pior para a psicologia de uma nova primavera para essas instituições do que recorrer a generalizações, prejulgamentos ou à amplificação de questões locais ou pessoais, conferindo-lhes, desproporcionalmente, a dimensão de problemas gerais;

V – Não respeitar aqueles que pensam diferente, tratando-os como inimigos, em linguajar, amiúde, dotado de um alto grau de hostilidade, o que contribui para criar um ambiente entrópico, desestimulando empatias e convergências, prato cheio para os contrarreformistas e regressistas. Sim, há – e não são poucos, quiçá sejam maioria – os que querem uma reforma do sistema para pior (in pejus), sob o pretexto de que os Tribunais de Contas já estão, e em demasia, fortalecidos.

Justiça, firmeza, franqueza, resiliência, responsabilidade, opção pelo bom e leal combate são atributos indispensáveis para o êxito dessa causa republicana, e não combinam com extremismos. A menor possibilidade de uma contraproducente autofagia institucional há que ser estancada. Nunca foi tão necessário mirarmos, uma vez mais, as sabedorias clássicas do Oráculo de Apolo: “Conhece a ti mesmo” e “Nada em excesso”. É preciso saber a melhor forma para reformar!

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  • Valdecir Pascoal é Conselheiro do TCE-PE. Foi Presidente da Atricon entre 2014 a 2017