Cezar Miola
A transparência orientada para a participação efetiva do cidadão na prestação dos serviços públicos tem sido valor essencial na agenda de atuação dos Tribunais de Contas. Por participação não se entende somente escuta, mas a promoção do mais amplo envolvimento, buscando também o senso de compromisso do usuário dos serviços em relação à sua qualidade. Participação implica, então, uma relação entre o estado e o cidadão, mediado pela administração pública; interação esta que, nestes dias, tem se revestido de maior horizontalidade, em contraste com o padrão histórico.
É nesse sentido que a Lei Federal nº 13.460/2017 dispõe sobre a participação e a garantia dos direitos dos usuários de serviços públicos em todas as esferas de governo, desde as atividades administrativas até a disponibilização de bens e serviços públicos ao usuário.
O Programa Nacional de Transparência Pública – PNTP[1], entre outros critérios, avalia a aplicação da referida lei. Dos aspectos definidos neste que pode ser considerado um código de direitos e deveres do cidadão em relação aos serviços públicos, destaca-se um novo conceito de ouvidoria[2], que não somente passa a se inserir no ciclo de gestão do órgão ou entidade, como ganha contornos estratégicos. De uma perspectiva de gestão, a ouvidoria tanto assume maior centralidade na arquitetura organizacional, quanto exige ser pensada como função transversal às demais áreas – tomando-se uma perspectiva de processos –, e não apenas como unidade administrativa, não raro percebida lateralmente. A norma sinaliza, portanto, uma transformação de significado e ação, a saber, de uma unidade de ouvidoria a uma atividade integrada à cadeia de geração de valor público.
Com isso, tanto quanto o senso de participação não se resume a oportunizar a fala do cidadão, o conceito de ouvidoria transcende a escuta e a resposta reativa, passando a incorporar competências tais como estimular a participação do usuário dos serviços, garantir a sua efetividade, prevenir e corrigir procedimentos incompatíveis e propor o aperfeiçoamento da prestação de serviços, inclusive promover a adoção de mediação e conciliação. A função de uma ouvidoria não mais se limita, nestes termos, a um centro de atendimento formal que recebe, processa e devolve respostas às manifestações do cidadão. O legislador, representando a sociedade, exigiu mais que isso, a saber, uma função que integre as ofertas de bens e serviços públicos e, especialmente, comprometa-se, no que couber, com o aperfeiçoamento da sua gestão e a qualificação das entregas à sociedade. Servidores competentes e outros recursos são necessários para isso, por certo.
Assim, em um processo de necessária transformação cultural, pela profunda reflexão incidente sobre os pressupostos nos quais têm se assentado os conceitos de administração pública, a função de ouvidoria deve inserir-se em um ciclo virtuoso de gestão para a produção de valor público, este definido pelo cidadão. É ele, portanto, o protagonista da avaliação dos serviços, consultados, ainda, os conselhos de usuários, instrumentos também trazidos pela referida lei. Por fim, esta avaliação não deve ser tomada como ameaça pelo agente público, senão como oportunidade de estabelecer e estreitar laços de conversação com a coletividade, aprender por meio de uma escuta qualificada, reforçar as relações de confiança com a cidadania, aperfeiçoar a oferta de bens e serviços e ampliar os níveis de legitimidade da gestão.
Cezar Miola é conselheiro do TCE-RS e vice-presidente da Atricon
Artigo originalmente publicado no Blog do Fausto Macedo em 07.03.2025