República, democracia e transição

República, democracia e transição 

Valdecir Pascoal

Este 15 de novembro é especial. Celebramos, a um só tempo, a proclamação da república e a festa da democracia, com as eleições municipais em todo o país. Se a democracia indica que a fonte do poder é o povo, a república nos lembra que os eleitos devem administrar, legislar e controlar a res (coisa) em benefício desse mesmo povo. República e democracia são, pois, irmãs siamesas e qualificam uma a outra.

Ao final deste domingo e com o fechamento das urnas, salvo nos casos de reeleição, começam as transições de governo. Nos municípios onde haverá segundo turno, essa fase começa em 15 dias. A forma como essa passagem de bastão da gestão acontece é um importante indicador da qualidade da democracia. Nesse quesito, ainda temos muito a evoluir. No conto “A Sereníssima República” (1882), Machado de Assis, com seu peculiar ceticismo, antevê as agruras de uma futura república e seu sistema eleitoral. Noves fora a simpatia dele pela monarquia, há de se reconhecer, ao menos quanto à ironia do adjetivo do título, que a república, afinal implantada, nunca foi sequer serena. No filme republicano desses 131 anos, destacam-se golpes, rupturas e um quadro assustador de violência política. Até 1988, foram raros os momentos em que a república dialogou com a democracia, não havendo, pois, que se falar em transições dignas do nome.

Os primeiros avanços surgem com as leis eleitorais e a LRF, ao instituírem vedações em fins de mandato. Depois, no âmbito federal e de alguns estados e municípios, foram aprovadas leis disciplinando as transições, com o propósito de evitar os danos causados pelo horrendo costume da descontinuidade das políticas públicas. Elas preveem comissões de transição e garantem aos eleitos o acesso a todos os dados da gestão. Quem descumpre essas leis pode ser punido pelos Tribunais de Contas.

Há uma (com)postura, contudo, que não está prevista em lei e que revela o nível de civilidade política de uma nação: o respeito entre os adversários e às instituições. Não há forma de governo melhor do que a democracia, mas ela, sendo obra humana, não é perfeita, ainda mais com o mundo e as redes sociais vivendo tempos de cólera. Até mesmo na maior democracia do ocidente, presenciamos o antiexemplo de um “aprendiz” que provou ignorar lições cívicas básicas de Tocqueville e dos Federalistas. A esperança é saber que os males da democracia são combatidos com mais democracia e uma porção extra de resiliência das instituições republicanas.

P.S.: O “Testamento Político” de Maurício de Nassau é um exemplo para os governantes.

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE