Sinos e sirenes fiscais
* Valdecir Pascoal
A lama de Brumadinho ainda desliza, em forma de lágrimas, sobre o rosto atônito dos brasileiros. Ainda se ouve o dobrar dos sinos da indignação. A imprevidência parece ser uma de nossas marcas. Procurar fazer as coisas da maneira certa — planejando, prevenindo, corrigindo, fiscalizando, responsabilizando — não é o nosso forte.
A aguda crise fiscal por que passam a União, os Estados, o DF e os Municípios insere-se neste contexto de imprevidências. Baixo crescimento, déficits, previdência insustentável, extrapolação dos limites da LRF, tudo isso é revelador de uma espécie de amnésia fiscal retrógrada (esquecemos a crise dos anos 80/90!) e de nossa resistência anticívica em tomar providências. As consequências nefastas da ineficiência e da corrupção, matérias-primas que ajudam a alimentar a crise, não geram, naturalmente, a mesma comoção das grandes tragédias. É que as mortes, nestes casos, são menos explícitas. Morre-se pela falta de saúde, de segurança, de emprego, de educação, de futuro.
Ainda sobre as causas da tragédia mineira, os indícios apontam para a má governança e a fiscalização frágil, tendo sido marcante a afirmação de que as sirenes de alerta haviam sido engolfadas pela lama. Sobre nossas finanças, a legislação prevê verdadeiras sirenes fiscais com o objetivo de alertar o gestor e, assim, evitar (ou remediar) o desequilíbrio. São exemplos: o Anexo de Riscos Fiscais da LDO; as diretrizes de um Conselho de Gestão Fiscal (CGF); e os alertas e decisões dos Tribunais de Contas, somados à atuação do Controle Interno, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Decerto que cada caso é um caso e há, sim, exemplos edificantes de efetividade da gestão e do controle, como demonstra o fato de que nem todos os Estados estão desequilibrados. No entanto, resta incontroverso que algumas de nossas sirenes fiscais estão mudas e outras necessitando de novas baterias para soarem mais forte e a tempo. O Executivo não elabora uma LDO com um Anexo de Riscos consistente. Passados 19 anos da LRF, o Congresso ainda não aprovou o projeto que cria o CGF. Por outro lado, admita-se, os órgãos de controle, podem, em regra, fazer mais e melhor. A despeito desses senões, nem tudo da crise é fruto de má gestão, desvios, falta de controle ou da crônica indolência dos governantes na hora de aplicar medidas de austeridade, amiúde, impopulares. É preciso, igualmente, que o Parlamento ouça o eco legítimo das sirenes do federalismo, aquelas que, pela voz de gestores responsáveis, anunciam as injustiças na repartição das receitas públicas.
Parafraseando Hemingway/Donne, pode-se perguntar: por quem tocam as sirenes fiscais? Elas tocam por nós, cidadãos! Não há tempo a perder, cuidemos de nossas sirenes! Só assim deixaremos de ouvir o tenebroso dobrar dos sinos plangentes.
* Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE