Conselheiro do TCE-MT, Luiz Henrique Lima, explica os principais motivos para desaprovar as contas da Secretaria de Saúde

KAMILA ARRUDA
Da Reportagem

Conselheiro-substituto do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Luiz Henrique Lima foge à regra ao ser um conselheiro, já que, geralmente, para assumir este cargo, basta apenas uma indicação política

Com 52 anos e nascido em Concórdia, Santa Catarina, Luiz Henrique foi vereador no Rio de Janeiro na década de 80. Em seguida, foi deputado estadual por duas legislaturas consecutivas (1987 a 1994), assumindo o cargo de secretário de Administração do Estado do Rio de Janeiro de 1992 a 1994.

No ano 2000, assumiu outra secretaria no Estado, a de Saneamento e Recursos Hídricos, sendo presidente do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Em 2009, por concurso público, ingressou no TCE-MT.

Como conselheiro, ele afirma que as contas da Secretaria de Estado de Saúde e do Fundo Estadual de Saúde, referentes ao exercício de 2011, foram as mais “atabalhoadas” que viu em sua carreira. De acordo com ele a complexidade dos balancetes é tanta, que o dano gerado ao erário não pode ser identificado em princípio, sendo necessária a instauração de uma tomada de contas nos contratos com as organizações sociais de saúde (OSSs).

Nesta entrevista ao Diário, além das OSSs, Luiz Henrique conta que outros dois fatores foram determinantes para detectar o caos nas contas da Pasta e do Fundo: a área de pessoas e os repasses do Estado para os municípios.

O conselheiro também fez uma breve análise dos municípios mato-grossenses, levando em consideração sua experiência no julgamento de contas públicas. Para ele, Cuiabá e Várzea Grande servem como exemplo. Enquanto a Capital melhorou sua eficiência na aplicação dos recursos públicos, a “cidade industrial” dá continuidade a um problema crônico.

Diário de Cuiabá – Por que o senhor escolheu Mato Grosso para viver?

Luiz Henrique Lima – No Rio de Janeiro, eu estava atuando como auditor do TCE. Aí começaram a surgir os concursos para conselheiro-substituto, e comecei a fazer. Passei no concurso do Amazonas e passei aqui em Mato Grosso. Fui chamado para os dois, mas optei por Mato Grosso. Por muitos motivos eu optei por vir para cá. Entre eles, o fato de eu já ter conhecido Mato Grosso, já gostava daqui, minha família já havia gostado também quando esteve aqui viajando de férias, e o próprio Tribunal de Contas de Mato Grosso é melhor para se trabalhar. Vai fazer quatro anos que estou aqui. Lá no Rio de Janeiro cheguei a ocupar alguns cargos políticos. Fui secretário de Estado, fui parlamentar.

Diário – Qual a maior dificuldade do Tribunal de Contas atualmente?

Luiz Henrique – Penso que a maior dificuldade é a efetividade das decisões. Muitas vezes, o Tribunal vai a uma determinada unidade, realiza auditoria, identifica falhas e efetua determinações para que essas falhas sejam corrigidas. E, às vezes, você volta lá dois anos depois e as falhas não foram corrigidas. Isso é frustrante porque o jurisdicionado atenderia muito melhor a sociedade se ele simplesmente adotasse as orientações que o Tribunal efetua. Aí a gente acaba aplicando uma sanção e ele não fica feliz com isso. O ideal seria que ele tivesse corrigido sua falha e que a gente não precisasse sancionar ninguém. Essa é uma dificuldade cultural ou estrutural da administração, e que gera certa frustração, porque nós efetuamos um trabalho que tem como finalidade contribuir com o aperfeiçoamento da gestão pública, contribuir para maior qualidade dos serviços públicos. Quando isso acontece, evidentemente nós nos sentimos realizados. Quando não acontece, há certa frustração, porque você vê que a sociedade podia estar sendo melhor atendida. Nós teríamos a sensação de que demos a nossa parcela e o gestor estaria feliz. Mas, infelizmente, nós temos essas reincidências no descumprimento das determinações, e isso é algo que não é bom pra ninguém, nem pra mim, nem para o gestor e muito menos para a sociedade.

Diário – O TCE possui um teto máximo para aplicação de multas aos gestores que cometem irregularidades. Mas o teto não é muito alto, tendo em vista o valor atual da UPF. O senhor não acha que este seria um dos motivos que levam à reincidência?

Luiz Henrique – Não! Penso que isso não é determinante. O que seria determinante é, de certa maneira no país e não só em Mato Grosso, a cultura da impunidade. O pensamento de que: “Ah…o Tribunal multou, recomendou, mas vou conseguir reverter isso em alguma outra instância. Isso não afeta”. Existe ainda essa mentalidade, mas que está mudando. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, já está produzindo uma alteração de comportamento muito significativa. Os gestores estão muito mais preocupados em ter suas contas aprovadas, em não sofrer sanções, e a sociedade também está acompanhando muito mais as decisões do Tribunal. Hoje você, às vezes, toma uma decisão que há três anos não seria objeto de grandes comentários e, hoje, ela vai repercutindo. Você tem manifestações de bairro, de sindicatos e de outras entidades referendando as decisões do Tribunal. As pessoas vêm aqui e buscam os elementos de nossos relatórios, buscam informações que a nossa auditoria produziu. Por isso, eu penso que estamos vivendo um processo de mudança muito positivo, apesar de enfrentar esses resquícios do passado. Tenho enormes esperanças com esses novos prefeitos, tenho impressão de que esses prefeitos que estão assumindo agora estarão assumindo em outro cenário, num cenário em que eles, até pelas dificuldades que vão enfrentar, vão buscar a cooperação e a orientação do Tribunal de Contas. Acredito que a legislação está de bom tamanho, não precisa endurecer. O que falta é uma maior efetividade.

Diário – O senhor acredita, então, que não há necessidade de o valor do teto ser elevado?

Luiz Henrique – Este ano inteiro, eu acredito que só houve dois casos em que a multa poderia ultrapassar 1.000 UPFs, que foi o caso as Secretaria de Estado de Saúde e do Fundo de Saúde. Embora você possa dizer que poderia aumentar o teto, este teto raramente é alcançado. Por isso, não vejo necessidade de alterar. O feito de uma alteração neste teto seria muito limitado. Acredito que mais importante do que isso é o aprimoramento do controle social. É o fortalecimento dos conselhos de saúde dos municípios, dos conselhos escolares, para informar ao Tribunal se as condições físicas estão boas ou não. Esse controle feito pela sociedade, por milhares de voluntários, cada um na sua faixa de interesse, isso que enriquece muito o trabalha do Tribunal. Isso pra mim é determinante.

Diário – Os gestores cometem irregularidades por ignorância ou má- fé?

Luiz Henrique – Não vou dizer nem que é ignorância, nem que é má- fé. Não vou entrar na questão da má-fé porque isso é de natureza subjetiva, que escapa um pouco da nossa esfera. Nós trabalhamos com questões objetivas. Eu não estou indagando qual é a motivação que levou o gestor a fazer isso. Isso entra mais na esfera da Justiça Penal. E eu não posso dizer que é ignorância também, porque qualquer gestor ao tomar posse tem o mínimo de conhecimento da legislação que disciplina a administração pública. Então o que pode provocar essas falhas são, fundamentalmente, desatenção, desleixo e falta de zelo para com o interesse público.

Diário – A equipe disponível para cada conselheiro está dando conta de toda a demanda ou o TCE ainda sofre de déficit de servidores?

Luiz Henrique – É natural que a gente pense em aprimorar as equipes de fiscalização. Tanto do ponto de vista quantitativo quanto do ponto de vista qualitativo. Na medida em que a administração pública vai ficando mais complexa, você vai ter necessidade de uma fiscalização mais bem aparelhada. Então, seria necessário, por exemplo, que nós tivéssemos um número maior de auditores especializados na área de Tecnologia da Informação, para fazer a auditoria desses sistemas. Talvez, pela dimensão da matéria, fosse necessário um número maior de auditores, especializados nas obras de engenharia. Por isso, eu não posso te dizer que estamos hoje 100% satisfeitos com o número de pessoas que atuam no Tribunal. Acredito que isso pode ser aprimorado, mas não deixamos de fiscalizar nada por falta de pessoal. A equipe que temos hoje se desdobra para cumprir bem o seu papel.

Diário – Este ano o senhor relatou quantas contas e qual considera mais importante?

Luiz Henrique – Este ano foram 121. Eu fui campeão este ano. Fui o que mais tive contas para relatar. O segundo colocado foi o conselheiro Domingos Neto, que relatou 71 contas. O número de processos para eu relatar foi alto porque eu acumulei dois gabinetes, o meu de conselheiro-substituto e o gabinete do conselheiro que eu estou substituindo [Humberto Bosaipo, afastado]. Sem dúvida alguma, a Secretaria de Saúde. As contas da Assembleia Legislativa também são um poder importante do Estado. São contas que exigiram um estudo bem profundo.

Diário – Qual análise que o senhor faz dos municípios mato-grossenses baseados nas contas que já analisou e julgou?

Luiz Henrique – Sem dúvida alguma, houve uma evolução nos últimos três anos. Nos últimos três anos que eu tenho participado do plenário, houve uma evolução. Você tem muitos municípios que conseguiram estruturar algumas funções estratégicas da administração. Como, por exemplo, o controle interno. Se o município tem um controle interno que funciona, o número de irregularidades é bastante reduzido. Há municípios que já têm uma experiência de controle interno, e outras funções administrativas, razoavelmente, bem estruturadas. Vou citar Cuiabá como exemplo. A Capital conseguiu se estruturar na auditoria interna, e isso contribuiu para uma redução de problemas. Por outro lado, você tem municípios que têm vícios crônicos, e que ano após ano não consegue identificar nenhum progresso. Seria o caso de Várzea Grande. Mas Várzea Grande é uma exceção-limite. De modo geral, você observa um progresso. Você tem municípios que têm contas que vão melhorando o seu perfil ao longo das diversas gestões. Este ano, eu tenho impressão de que mais de 90% tiveram as contas julgadas regulares. A estatística é quase a mesma do ano passado. E os que tiveram suas contas julgadas irregulares, muitos também já tinham sido julgadas ano passado. São municípios que não conseguiram se ajustar. Acorizal, por exemplo, tinha mais de 100 irregularidades nas contas, depois reduziu para 60, depois para 40. Ainda precisa melhorar muito? Sim, ainda precisa melhorar muito, mas você observa que há uma evolução.

Diário – O TCE detectou mais de 160 irregularidades nas contas do exercício de 2011 da Secretaria de Estado de Saúde e do Fundo Estadual de Saúde. Dessas, quais foram as principais?

Luiz Henrique – Vamos colocar três categorias. A primeira seria na área de pessoal. De um lado, mais de 50% dos cargos efetivos não estão preenchidos, ou seja, você tem cargo de médico sem médico nomeado. E aí você tem uma precarização dos processos seletivos para tapar buracos ali, acolá, e uma enxurrada de cargos em comissão. Os cargos em comissão não apenas foram aumentados, mas, além do aumento legal, também houve um aumento ilegal, porque nomearam além do número de cargos. Nomearam para cargos inexistentes. Uma coisa que não existe na administração pública, mas existe na Secretaria de Saúde de Mato Grosso. É um absurdo! É uma desordem na área de pessoas. São irregularidades muito sérias. Segundo capítulo: os repasses. Este ponto foi o que a gente chamou de balbúrdia. Tem um orçamento previsto, mas a secretaria assumiu compromisso com os municípios além do orçamento. Só que ela honrou aquém do orçamento. Então, fica uma defasagem que desorganiza o sistema de saúde, porque o prefeito, lá na ponta, tem os postos de saúde, tem as unidades de saúde da família, tem que ter materiais para manter essas unidades. Enfim, ele tem uma previsão, conta com o recurso e o recurso não vem. Identificamos centenas de ocorrências de inadimplência e centenas de ocorrência de atraso superior a 90 dias nos repasses. E pior: houve municípios que receberam além do que deveriam, enquanto outros, muito aquém. Atrasou para uns, não atrasou para outros, foi inadimplente com um, não foi inadimplente com outros. Não houve um critério técnico, republicano, que você possa dizer: “olha, aquela região ali está com uma epidemia, então lá nós não vamos atrasar. Vamos atrasar em outra região”. Não existiu isso, foram municípios um do lado do outro. Um aumentou, outro diminuiu. Um atrasou; outro, não. É uma situação inexplicável, injustificável, que gerou e está gerando tudo isso. A gente produziu este relatório completo referente ao ano de 2011, mas, em 2012, todas as informações que temos é de que se agravou o quadro. Então, o custo disso para a população de Mato Grosso é muito alto. Tem um custo para o gestor lá da ponta que não consegue atender seus pacientes, mas o custo mesmo são os de doenças que foram agravadas, de casos que foram fatais, de um sistema que se desestruturou, enfim, há um custo altíssimo. Um dos fatores que também foram apontados no relatório foi um fator que é crítico, principalmente para a Baixada Cuiabana, que é a dengue. E, mesmo assim, em 2011 não houve nenhum recurso estadual na dengue. É uma coisa inconcebível. O Estado não gastou com dengue. Dengue não existe para a Secretaria de Estado e Saúde. Ou seja, é uma gestão que está desconectada da realidade. E o terceiro capítulo são as organizações sociais. Neste caso, também foram detectadas muitas irregularidades. Foi um processo de qualificação e contratação completamente atabalhoado. Numa das unidades, por exemplo, o termo de referência que foi elaborado dizia que seriam R$ 4 milhões por mês, porque seriam feitos “x” procedimentos cirúrgicos, “x” atendimentos ambulatoriais, etc., e o custo disso daria R$ 4 milhões. Aí vem a OSS e apresenta R$ 5 milhões por mês, falando: “Não, eu assumo, mas eu quero R$ 5 milhões por mês”. Aí vem o Estado e contrata por R$ 6 milhões por mês. Isso existe. Agora, R$ 6 milhões por mês estão acima ou está abaixo do teto? Ninguém sabe, porque o planejamento não foi feito. Mas tem uma prestação de contas. Se ele recebeu R$ 6 milhões, eles teriam que fazer a quantidade de procedimento que estava estipulado no termo de referência, mas isso não é controlado. Tinha que criar uma comissão para fiscalizar, e a comissão só veio a ser criada dez meses depois que as OSSs estavam trabalhando. A Comissão de Acompanhamento deveria ser criada no momento em que se assina o contrato, mas ela só foi criada dez meses depois, porque foi quando chegou a primeira carta do Tribunal de Contas questionando a inexistência da comissão. Aí eles colocam uma portaria no Diário Oficial criando a comissão e falam para nós que ela já está criada e trabalhando, que a irregularidade já está sanada. Você tem, com relação às organizações sociais, irregularidades muito graves. Não houve um planejamento adequado, foi feito de forma atabalhoada o processo de contratação. E isso pode ter gerado prejuízos. Em alguns casos, nós temos certeza de que houve prejuízos. Em Alta Floresta, por exemplo, o contrato com a OSS prevê um pagamento mensal de R$ 100 mil pelos serviços de UTI neonatal e UTI adulto. Então, todos os meses eles recebem por esses serviços, mas não existe no Hospital de Alta Floresta essa UTI e, mesmo assim, o Estado está pagando, mesmo assim eles recebem. As irregularidades são reais, mas o dano ao erário, para ser dimensionado com precisão e o cuidado necessário, vai exigir um trabalho especial focado que se chama tomada de contas. A tomada de contas irá apurar em cada contrato se houve prejuízo ou não, e quanto foi para pedir o ressarcimento ou a compensação.

Fonte: Entrevista concedida ao jornal Diário De Cuiabá, no dia 16 de dezembro. Veja LINK.

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