Ambiente digital seguro ao ensino: uma tarefa dos Tribunais de Contas

Os últimos acontecimentos envolvendo ataques a escolas deixou a população assustada, sem saber o que fazer para estancar a onda de violência. A participação das redes sociais foi decisiva para viabilizar os crimes e a responsabilização dessas plataformas é cada vez mais necessária. Porém, não é suficiente. Mais do que exigir que as big techs adotem medidas que impeçam a livre circulação de conteúdo prejudicial à segurança das crianças e dos adolescentes, a população precisa contar com o poder público na garantia de um ambiente digital saudável para o exercício da cidadania, para a promoção da cultura e propício ao desenvolvimento tecnológico.


Já no ano de 2005, esta preocupação gerou a aprovação da lei municipal Lei nº 14.098/2005, em São Paulo, que prevê a instalação obrigatória de software capaz de filtrar conteúdo tóxico nas redes de escolas, bibliotecas e centros educacionais. A tecnologia que impede o acesso a sites sobre sexo, drogas, pornografia, pedofilia, violência e armamento ainda é um mecanismo válido para diminuir o risco de exposição dos nossos jovens e deve ser objeto de averiguação pelo Controle Externo. É sabido, no entanto, que estes filtros não impedem o acesso às principais redes sociais, que são, justamente, os espaços onde este conteúdo nocivo circula livremente. Ao mesmo tempo, impedir o uso destas plataformas no ambiente educacional pode privar nossos jovens do acesso à informação útil, de trocas qualificadas, sem contar que a efetividade de um bloqueio total seria nula, uma vez que boa parte desses estudantes possui acesso direto às redes por meio de seus celulares.
O que fazer, então, diante de tal urgência e de tanta necessidade em enfrentá-la?


CONTORNANDO AS LIMITAÇÕES TECNOLÓGICAS


O uso do meio digital como ambiente de ensino – intensificado por força da pandemia – gerou investimentos significativos para que escolas públicas fornecessem os meios necessários para que os estudantes pudessem participar das aulas. Em São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação publicou a resolução nº 10, de 22 de abril de 2021, comprometendo-se a fornecer um tablet equipado com fone de ouvido, microfone, capa protetora, cabo USB, carregador e chip com dados móveis já instalado para os estudantes matriculados nas Unidades de Ensino Fundamental e Médio da Rede Municipal de Ensino.


Em parágrafo único, a Resolução menciona que o uso do equipamento deve ser exclusivamente pedagógico, “razão pela qual há bloqueios para sites que não sejam pedagógicos e/ou indicados pelos professores, cujo cumprimento deverá ser fiscalizado pela respectiva Diretoria Regional de Educação”. O NIC.br, órgão criado para implementar as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), relata investimentos realizados para a aquisição de hardwares, chips, softwares para garantir aos estudantes um ambiente digital seguro para navegação, por meio de conexão privada, portanto, inviolável. No entanto, denúncias veículadas na grande mídia relatam que equipamentos fornecidos para alunos da rede pública no Paraná permitiam acesso à pornografia. Em sessão plenária realizada no TCMSP, o conselheiro Maurício Faria demonstrou a existência de uma série de tutoriais em vídeo – de livre acesso por redes sociais – fornecendo o passo a passo para o desbloqueio dos equipamentos fornecidos a estudantes de escolas públicas.


O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Estamos diante de um desafio comportamental. É necessário um esforço amplo das autoridades, da mídia, daqueles que produzem informação, das empresas proprietárias das redes sociais na direção de prezar pelo direito fundamental à vida, ao invés da disseminação irresponsável de expressões que fazem apologia à violência e à morte. Os Tribunais de Contas precisam se engajar neste desafio e verificar, mediante inspeções dirigidas a este fim, se os filtros para conteúdo indevido estão efetivamente instalados nos roteadores das escolas públicas e se os softwares que impedem o acesso a material violento estejam habilitados em todos os computadores e tablets utilizados pelos estudantes.


Quando os mecanismos tecnológicos de controle falham, é preciso recorrer ao poder institucional para preservar a saúde mental e a integridade física de uma população tão suscetível à informação que consome, principalmente, nos canais digitais. Tribunais de Contas de todo o país estão realizando uma fiscalização ordenada para a análise das condições de infraestrutura de escolas das redes estaduais e municipais dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal. Eis uma oportunidade premente para que, além dos mais de 193 itens a serem verificados – como como a situação dos refeitórios, bibliotecas, salas de aula, quadras esportivas e demais instalações prediais, além de questões ligadas à segurança e prevenção de incêndios, à higiene e limpeza dos estabelecimentos de ensino – também sejam averiguados os tipos de informação que estão acessíveis aos estudantes, via Internet.


Mais do que uma ação oportuna e urgente, as equipes técnicas estarão colocando em prático o que é previsto pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que busca promover o uso da rede mundial de computadores como forma de acesso ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos. O texto desta legislação é fundamentado na garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, dentro dos termos constitucionais. Além disso, o Marco Civil estabelece direitos e obrigações para usuários e provedores de serviços, além de dispor sobre a responsabilidade pelos danos decorrentes de conteúdo.

Domingos Dissei – conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.