O que conta para as contas públicas

É inegável a imperiosidade de se aprovar uma lei que torne o regime fiscal brasileiro sustentável para retomar o crescimento e melhorar as condições de vida dos brasileiros. O Congresso saberá dar a devida prioridade ao projeto enviado pelo presidente da República.

O momento é propício para se refletir sobre como as contas públicas podem ser geridas com responsabilidade fiscal. O regramento precisa ser adotado e respeitado para que forme uma nova cultura no dia a dia, em todos os níveis, unidades da Federação e Poderes. As instituições públicas, suas autoridades e servidores precisam se engajar no propósito de transformar recursos públicos em bens e serviços produzidos de forma cada vez mais eficiente.

Países avançados possuem iniciativas para modernização da gestão fiscal. Nos Estados Unidos, por exemplo, há o Programa Integrado de Aprimoramento da Gestão Financeira Federal desde 1948, que fomenta a cooperação para coordenar as normas e procedimentos de planejamento, execução e controle da gestão das finanças federais.

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento, em conjunto com o Tribunal de Contas da União (TCU), poderiam liderar a formação de um colegiado para modernização das finanças, com atuação permanente e voltada para fortalecer a governança fiscal e financeira no Brasil. Esse diálogo pode alcançar outros órgãos, Poderes, governos, autoridades e especialistas. Uma missão, para ilustrar, poderia ser a de consolidar o ciclo orçamentário e, outra, a de criar uma sistemática ampla de avaliação periódica da qualidade do gasto público.

Em março de 2024, completará 60 anos a nossa lei básica das contas públicas (lei 4.320/64). Basta olhar a data de aniversário para indicar como estão obsoletas as normas gerais. Lacunas estão sendo encobertas pelas leis de diretrizes orçamentárias e por atos administrativos. Estes últimos pecam pela falta de continuidade e de cobertura. Não adianta muito ter uma lei moderna para sustentabilidade da dívida quando ela é medida de forma precária.

Um diálogo institucional pode buscar consensos para modernizar a legislação. Para assegurar sucesso em sua adoção, é oportuno também que se avance para oferecer capacitação técnica a quem atua em finanças públicas, segundo as melhores práticas internacionais, inclusive com parcerias com outros países. Há de se aproveitar a oportunidade de o TCU estar à frente da Presidência da Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai) e das oportunidades de diálogo que essa posição possibilita.

O caminho da parceria com o exterior também pode encurtar o acesso às novas rotinas de trabalho, em todas as áreas fiscais, que advirão do uso da inteligência artificial. Se tivermos ousadia política e competência técnica, esse é o caminho mais rápido para entregar redução de gastos, permanentes e de custeio, em troca de abrir espaço para o investimento. A fiscalização e o controle ficarão mais ágeis —como o famoso caso de verificação de fraudes no Bolsa Família. Os cadastros de todos serviços públicos e de todos os governos deverão ser unificados. Ninguém no mundo terá mais dados do que o próprio governo.

O governo federal está entre os dez de maior movimentação no mundo, com um Orçamento atual na casa de R$ 5 trilhões em receitas e uma dívida de quase R$ 6 trilhões. Em um cenário tão particular, os desafios poderiam ser enfrentados de forma mais rápida. Devemos aproveitar esse feliz momento de diálogo e paz entre Poderes e governos para negociar, aprovar e implantar um arranjo institucional, alcançando as diferentes etapas da governança fiscal.

Temos, em conjunto, um processo inédito e ousado para consolidar uma moderna e democrática governança fiscal. Os resultados desse esforço poderão ser medidos em um futuro próximo. Vamos aproveitar para aprovar não só uma lei, mas também iniciar um processo que muito conta para as contas públicas geridas para fomentar desenvolvimento econômico e social.

*Artigo publicado na Folha de São Paulo

Bruno Dantas é presidente do Tribunal de Contas da União (TCU)

José Roberto Afonso é doutor em economia e professor do IDP e da Universidade de Lisboa